Do site 247
Um dos mais importantes especialistas do País na área
trabalhista, o advogado Valter Uzzo criou um fato político ao enviar para
amigos e-mail remetido para um de seus conterrâneos da cidade de Pompéia, no
interior de São Paulo, chamado apenas por Lara, listando uma série de
argumentos contrários à proliferação de spams jocosos sobre o ex-presidente
Lula e a presidente Dilma Roussseff.
Ex-presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo, Uzzo,
no texto, descreve o cenário histórico da presença e influência das forças
conservadoras na política brasileira.
O e-mail de Uzzo está sendo velozmente disseminado pela
internet, ganhando status de peça política contra a discriminação ideológica às
forças de esquerda.
Abaixo,
o conteúdo completo:
Caros
Um amigo meu de infância passou a me mandar um volume enorme
de e-mails com piadas, comentarios e afirmações
sempre depreciativas em relação ao Lula, Dilma, PT, etc. A situação foi
em um crescendo tal, que atingiu as ráias da provocação e do insulto, até que,
outro dia, resolvi responder. E mandei este pequeno texto, que é, em verdade, o
que penso de pessoas como ele que, a
pretexto de criticar, escondem hipocritamente suas indéias e concepções.
Abcs.
Valter Uzzo
Caro Lara:
Tenho, quase que diariamente, recebido os seus e-mails, que
trazem piadas, “fotos interessantes”, e
propaganda daquilo que, politicamente, você acredita. Quero crer que
estou me dirigido à pessoa certa, ou seja, ao Lara que conheci em Pompéia, na
infância e adolescência. Se assim é, tenho algumas gratas recordações, de nossa
convivência que, ao tempo, pela idade e sem as agruras que viríamos a
experimentar durante a vida, era muito boa. Recordo-me mesmo que uma das suas habilidades, invejada
por todos nós da mesma classe ginasial, era a incrível capacidade que tinha de
“colar”, já que você se abastecia de um grande estoque das “sanfoninhas” (era o
tipo de “cola” da época), que escondia perfeitamente em sua mão direita e que lhe permitia -grande perfeição !- colar sem interromper a
escrita e, -perfeição maior !-, até mesmo diante do olhar atento do professor.
Ao que me recordo, nunca, nenhum dos professores, na fiscalização que faziam,
conseguiu algum êxito diante de você.
Nesse partícular, você era imbatível.
Mas, deixando-se de lado tais reminiscências, eu estou me
dirigindo à você para tratar de assunto que, diante de sua volumosa
correspondência eletrônica, parece lhe interessar: trata-se de questões que
envolvem a visão que temos da forma como vem sendo dirigido este país, melhor dizendo, a questão política. Para se
ter uma conversa franca, devo dizer que temos uma visão de mundo muito diferente.
Acho mesmo, oposta. Em minha profissão (sou advogado) acabei aprendendo a
conviver na divergência, já que, diariamente, senta do lado de lá da mesa de audiência, ou dos autos do
processo, um colega de mesmo grau de escolaridade que defende justamente o
contrário. Adversário. Mas, terminada a audiência, retomamos o relacionamento,
ou seja, é um aprendizado constante e permanente, a nos ensinar que devemos
respeitar os que pensam de forma diversa. Transposta tal relação para a
política, também aprendi a respeitar aqueles que tem uma visão de mundo
diferente da minha, embora com eles não
concorde. Entre tais “adversários” de pensamento existem dois tipos: os que
assim agem por convicção, e os que agem por interesse. Creio que você se enquadra entre os primeiros, ou seja, você
tem ideias, a meu ver, que eu classifico
como “conservadoras”, mas que são catalogadas no jargão político comum como
“reacionárias”, ou por alguns “direitistas”, ou, se formos levar ao
extremo a sociologia política, “fascistas”. Para mim, no entanto, você é um “conservador”, por convicção. E é aí que eu
quero conversar com você.
Existe no Brasil uma
forte corrente de pensamento conservador. Sempre existiu, aliás, durante o
império e durante a república, todos os
presidentes e Governos , até 2003, sempre tiveram um perfil conservador, uns
mais outros menos. Todos. Getúlio Vargas (1º Governo, ditadura) liderou uma
“revolução” -que não era revolução no sentido sociológico do termo- contra
práticas condenáveis da República Velha, só isso. Pertencia a elite agrária, era fazendeiro e
fez um Governo ambíguo, criando uma
legislação trabalhista (que estava sendo criada, ao tempo, por quase
todos os países de mesmo grau de desenvolvimento que o Brasil), e criou dois partidos políticos – o PTB, para lhe servir – e o PSD,
conservadoríssimo, para ajudá-lo a governar. No mais, encarcerou a oposição e
restringiu as liberdades públicas.. Em 45 foi substituído pelo Dutra (outro
conservador), que dissipou todas as reservas cambiais que havíamos acumulado com a substituição das
importações, durante a guerra. Getúlio volta em 1950 e aí, após um início de governo meio
indefinido, começa a aproximar-se de
ideias progressistas, mas não conseguiu implementá-las, já que, ameaçado
de deposição, suicidou-se. Juscelino foi um inovador em realizações, mas seu
governo, embora aparentemente liberal nos costumes, sempre foi um produto das classes dominantes e um
fiel seguidor da política americana. Jânio se foi muito rápido , e Jango também
nada tinha de progressista: era filho de uma família de riquíssimos fazendeiros, era despreparado
para a função e sua queda dá bem a
medida de seus compromissos de classe: preferiu viver rico no exílio, do que
participar ou liderar uma revolução popular com a qual não se identificava.
Seguiram-se os governos militares,
Sarney, Collor, Itamar e Fernando
Henrique. Se examinarmos todas as medidas tomadas por tais governos
(algumas muito boas, até) veremos que
nenhuma delas teve a preocupação ou conseguiu alterar o sistema de
distribuição de renda no país, -um dos mais injustos do mundo. A dívida externa
sempre em patamares impagáveis, o salário mínimo medeando entre U$ 80 a U$ 120 dólares, lenta queda da mortalidade infantil, poucos
avanços na afalbetização, grande transferência de rendas para o exterior,
sistema de saúde pública catastrófico, destruição da escola pública,
gigantesca falta de moradias e favelização, polícia corrupta, Justiça
que não funciona, previdência privada
mais cara do mundo, seguros mais caros do mundo, alta tributação e assim foi.
Só discursos, só demagogia, e muita
roubalheira.
Aí vieram a eleição em
2003, reeleição do Lula e eleição da Dilma. Muitos erros, houve e há corrupção,
muitas coisas não deram certo, os quadros do PT, em grande parte, eram despreparados para administração, enfim,
as coisas não saíram como o PT pregava.
No entanto, o salário mínimo triplicou (em dólares), a renda familiar
cresceu, a dívida externa foi paga, o consumo aumentou muito, o emprego cresceu
( e o desemprego despencou) e o Brasil
conseguiu crescer, ao meio de uma
grande crise internacional .Caro Lara, esses são fatos . Fato é fato, não é
discurso, nem proselitismo político, nem palavrório. FATOS. O País está em
regime de pleno emprego ( é a 1ª. vez em nossa história que isso acontece), e
no ano de 2011, em um universo de 200 países,
fomos o 4º. País do mundo em receber investimentos externos, só atrás
dos Estados Unidos, China e Hong Kong (notícia do Times, reproduzida no Estadão
e Folha na semana passada, com pouco destaque). A arenga de que o Governo, em 2003, pegou uma condição
internacional favorável é coversa para boi dormir: muitos outros países não progrediram,
muitos entraram em crise, o sistema
financeiro internacional em 2008 quase
ruiu, enfim, o Brasil navegou muito bem por sua conta e seus méritos. Pensar
de modo diverso é revolver a mentalidade
colonialista.
Mas, estou eu a pretender que você se torne um apoiador do
Lula e da Dilma ? É claro que não, até porque na nossa idade ninguém muda mais.
É que eu acho que essa sua “cruzada” contra, poderia ser muito mais consequente
e séria. Já que na clássica definição “partido político é a opinião pública
organizada”, porque vocês, conservadores, não fundam um partido que expresse
tal ideologia ? A grande farsa que
existe é que os conservadores, ou os direitistas, ou os neoliberais, não
assumem o próprio rosto. O PSDB (neoliberal) não se diz neoliberal, diz que vai
mudar, que é de centro esquerda, que é progressista, e outras baboseiras
mais. Porque não se diz neoliberal, e faz um programa neoliberal ?. E
vocês, conservadores, porque não se assumem, e fazem um programa com o conteúdo
daquiIo que vocês acreditam; contra as cotas, contra o aborto, contra o
casamento gay, pela redução dos direitos trabalhistas, dos impostos, por uma
política externa mais invasiva, etc, etc, , tal qual o Partido Republicano
(Conservador) dos Estados Unidos ? Se você fizer as contas, aqui como lá, o eleitorado se divide, o que, aliás, ocorre
em todos países civilizados (França
Inglaterra, Austrália, Itália, Espanha, Alemanha, Austria, etc, etc, etc). Ou
seja, no mundo todo, o eleitorado se divide em conservadores e progressistas.
Mas, aqui não, em razão da hipocrisia política da direita, a luta não é
limpa. Estimule a criação de um verdadeiro partido conservador, que
defenda as teses conservadoras e o modo
de governar conservador e aí, sim,
teríamos um debate limpo, direto, sem enganações, sem subterfúgios. A meu ver,
essa situação da direita esconder suas verdadeiras propostas, de vestir um manto progressista quando não
o é, é a pior forma de trapacear uma nação, posto que
esconde seus verdadeiros desígnios. Em
suma,já é tempo de sair do armário e vir
corajosamente para o debate de ideias.
O outro ponto que gostaria de conversar com você é sobre a forma negativa e pejorativa de sua
“crítica” política. As piadas, imagens, dizeres, etc, que se referem aos que
não pensam como você, revelam um rancor que tem de tudo: preconceito,
desinformação, insultos, etc. Se você acha que este tipo de crítica desperta
alguma simpatia para as suas ideias, ou fazem mal a figura dos criticados, então está na hora de você fazer
algumas reflexões sobre o que muda as pessoas. Uma pessoa decente muda de
opinião quando você demonstra que ela está errada. Só não mudará se tiver
“interesses” em se manter no erro, ou,
então, se por alguma razão (preconceito, ignorância,
intolerância, irracionalidade, etc) não entender o seu erro e o significado da
mudança. Fora disso, a “propaganda” pejorativa contrária é um tiro na culatra. E isso é
tanto no aspecto individual como coletivo. O Lula cresceu eleitoramente depois que mudou sua imagem
para o “Lula, paz e amor”. Antes, o eleitorado
preferia o FHC, com sua voz e
modos blandiciosos. Serra com sua linguagem belicosa só perdeu votos. Obama
derrotou duas vezes os seus adversários com um discurso suave, sofrendo agressões de todo os lados. O Berluscomi e Sarkosi, na Itália e França, perderam as eleições, em razão de suas
práticas autoritárias e arrogantes.
Enfim, na medida que a sociedade evolui, essa linguagem truculenta,
ofensiva, enganosa, que intui uma falsa
moralidade e prega medidas radicais
extremadas (para os outros, nunca para si) vai caindo em desuso, não
engana mais ninguém. Pode ter servido em outra época, chegou a levar os
hitlers e mussolinis ao poder, mas, hoje
em dia, ninguém mais cai neste canto de sereia. As pessoas querem é ser
convencidas, sem imposições.
Bem, fico por aqui. Se você quiser prosseguir mandando-me os
e-mails, gostaria que não mais me enviasse os relativos à política, a não ser
quando nesta terra tiver um partido conservador, ou direitista, ou de natureza
fascista ( o Plínio Salgado pelo menos teve coragem e honestidade criando os “camisas verdes”),
para que se possa ter um debate decente e honesto. Daí sim, quem sabe, talvez
até eu me convença de que existe alguma verdade nessas ideias trapaceadas e
escondidas sob o manto de uma falsa moralidade. Ideias tão escondidas, tal como você fazia com as colas e era invejado por toda classe.
Abraços e saudades.
Valter Uzzo
PS: Se você não é a
pessoa que eu penso, peço desculpas.
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