Posted by eduguim
Nas últimas semanas, a imprensa tem veiculado que a Comissão
da Verdade, que apura o colaboracionismo de agente públicos e privados com a
ditadura militar que vigeu no Brasil entre 1964 e 1985 a fim de produzir um
relatório histórico, está investigando a participação de empresários e até de
entidades dirigentes do futebol com aquele regime.
Todavia, até o momento a Comissão da Verdade não divulgou se
irá apurar a atuação de certos agentes privados que tiveram participação
preponderante para a efetivação do golpe de 1964 e para sua sustentação nos
anos seguintes, até que a repressão aumentasse ao ponto de que aqueles que
pediram e sustentaram a ditadura entendessem que em ditaduras só quem ganha é o
ditador.
Para entender como é possível que uma Comissão que pretende
apurar a verdade esteja, aparentemente, deixando de fora justamente o setor da
sociedade que trabalhou com maior êxito e mais ostensivamente para a
implantação do regime autoritário no Brasil dos anos 1960, o Blog da Cidadania
recorreu ao presidente da Comissão Estadual da Verdade do Estado de São Paulo e
da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa paulista, o deputado
Adriano Diogo (PT-SP).
Leia abaixo, portanto, a entrevista que o deputado estadual
em questão deu ao Blog da Cidadania nesta terça-feira, 19 de março de 2013.
—–
BLOG DA CIDADANIA –
Deputado Adriano Diogo, bom dia. O senhor preside a Comissão de Direitos
Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo e a Comissão Estadual da Verdade
que funciona naquela Casa, correto?
ADRIANO DIOGO – Sim, mas tenho que explicar que a Comissão
Estadual da Verdade não é uma Comissão de Estado, é uma Comissão criada no
âmbito da Assembleia Legislativa. Então, a partir da Assembleia Legislativa nós
criamos a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo.
Não é um projeto de lei, é um projeto de resolução. É que a
Comissão adquiriu tal dimensão que as pessoas acham que é do Estado de São
Paulo, mas ela não teve apoio nenhum do governo do Estado. Nós trabalhamos, só
os deputados, no âmbito da Assembleia Legislativa.
BLOG DA CIDADANIA –
Deputado, a imprensa tem veiculado que a Comissão Nacional da Verdade está
investigando a atuação de vários setores da sociedade durante a ditadura de uma
forma colaborativa.
Haveria empresariado envolvido. Fala-se claramente na Folha,
hoje, sobre a FIESP e há pouco [em off] o senhor me falou da relação de
entidades e pessoas do futebol com a mesma ditadura, sobretudo do futebol
paulista.
Mas há um setor, deputado, que teve uma intensa correlação
com a ditadura e sobre o qual, até agora, não se falou nada.
Então, muito sucintamente, gostaria que o senhor dissesse
como é que fica a atuação da imprensa, da grande imprensa no âmbito do golpe, naquele
momento do golpe, e na posterior sustentação daquele golpe que grande parte da
imprensa, da grande imprensa teve durante a ditadura e com a ditadura.
A gente sabe que vários meios de comunicação – imprensa
escrita, imprensa eletrônica – tiveram relações com a ditadura e, até agora,
não se falou nada disso na Comissão da Verdade. Isso não vai ser apurado?
ADRIANO DIOGO – O golpe foi dado com apoio total da imprensa.
Total. O único jornal de grande circulação que ficou contra o golpe foi o
jornal Última Hora. É claro que os Bloch [revista Manchete] foram muito
cautelosos… Mas, na grande imprensa, o golpe foi alardeado e bancado,
principalmente nos primeiros anos [da ditadura], por muitos setores da
imprensa.
O Estadão e o Jornal da Tarde, de apoiadores da ditadura, do golpe, de
apoiadores do Ademar de Barros e da Marcha da Família com Deus pela Liberdade –
que era um absurdo, era o golpe –,
acabaram atingidos pela censura.
O Estadão e O Globo foram jornais importantíssimos para a
decretação do golpe e a sua sustentação, o que não significa que os jornalistas
dessas empresas fossem golpistas. Foram os patrões deles.
Aquele jornal Shopping News ou City News, tinha um jornalista
que escrevia artigos contra o Wladimir Herzog, contra o Sindicato dos Jornalistas
e contra a TV Cultura. Pedia a cabeça do Wlado e de seus companheiros todo fim
de semana em São Paulo. Pedia a prisão do Wlado.
Então, a atuação da imprensa [durante a ditadura] foi uma
coisa cruel.
BLOG DA CIDADANIA –
Então, deputado, mas o senhor me relata a atuação da imprensa nesse período que
é, mais ou menos, uma coisa que todos conhecem. Mas na Comissão da Verdade, ao
menos pelo que tem noticiado a imprensa, não se fala nada sobre apurar essa
atuação da imprensa.
ADRIANO DIOGO – Bom, a atuação da Comissão Nacional da
Verdade agora mudou de coordenador. Agora, assumiu a Comissão Nacional o
diplomata Paulo Sergio Pinheiro. Antes,
era o ex-procurador-geral da República doutor Claudio Fonteles.
Possivelmente, agora eles vão mudar a técnica de abordagem. E
eu acho que, uma hora, esse capítulo terá que ser abordado – sempre lembrando
que uma coisa foi a imprensa, outra coisa foram certas empresas jornalísticas
que emprestaram veículos [para a ditadura transportar presos políticos], [que
estimularam] a repressão e tiveram um papel direto [na ditadura]. Um papel
direto!
É evidente que essas questões vão ter que ser abordadas.
Senão, a verdade nã será completa. Vai ser uma comissão de meia verdade. E não
existe meia verdade.
Agora, tudo é um processo. Neste ano, no dia 31 de março, o
golpe vai fazer 49 anos e nada – ou muito pouco – se sabe do golpe de 64. É um
assunto proibido. É muito difícil dizer a verdade no país da mentira.
BLOG DA CIDADANIA –
Então, deputado: é muito difícil dizer a verdade no país da mentira. Essa é a
grande questão porque, neste momento, a gente vê a grande imprensa dizer que o
seu partido, o PT, estaria querendo instalar a censura no Brasil através de
posições do partido favoráveis à regulamentação dos meios de comunicação
eletrônicos via um novo marco regulatório.
Nesse momento, não seria muito bom que uma Comissão que diz –
ao menos diz – que procura a verdade mostrasse ao país qual foi o comportamento
dessas empresas de comunicação que hoje estão falando em censura e acusando o
seu partido de ser um partido de censores?
Minha pergunta, portanto, é se o senhor não tem nenhuma
notícia de uma intenção sequer cogitada no âmbito da Comissão da Verdade sobre
uma investigação da atuação da imprensa – ou de uma parte da imprensa – durante
a ditadura.
ADRIANO DIOGO – Eu não disse isso. Eu disse que, até o
presente momento, não foi abordado o papel da imprensa e das empresas
jornalísticas. Eu não estou dizendo, com isso, que não vai ser abordado. Eu não
falei isso.
BLOG DA CIDADANIA – Mas, até o momento, não foi?
ADRIANO DIOGO – Até o momento, pelo menos, [acho que] não
foi. Mas a Comissão Nacional não divulga o conteúdo do material, dos
depoimentos. Isso só vai ser feito através de relatório a ser publicado [ao fim
dos trabalhos da Comissão da Verdade]. Até lá, nós [da Comissão Estadual] não
temos acesso.
Mas eu garanto ao senhor o seguinte: na Comissão de São
Paulo, tudo que estiver ao alcance, tudo que estiver documentado será apurado e
divulgado.
Comento que até hoje não se sabe se o dia 1º de abril foi um
dia depois do golpe ou o dia do golpe porque até isso os militares mudaram para
não caracterizar o golpe como o golpe da mentira, porque o dia 1º de abril é o
Dia da Mentira.
Tudo isso vai ser esclarecido porque vão ser abertos ao
público todos os arquivos do Estado de São Paulo, o que será uma contribuição
nossa – da nossa Comissão, de São Paulo. Faremos com que todos os arquivos do
DOPS [Departamento de Ordem Política e Social, órgão repressor da ditadura], de
todos os órgãos da repressão do Estado de São Paulo, sejam abertos ao público no [próximo] dia 1º no
Arquivo do Estado.
Assim, é evidente que o papel da imprensa, que passa por
certas empresas jornalísticas, vai ser apurado.
O que eu estou tentando explicar é que a Comissão da Verdade
não é uma Comissão Técnica, ela é uma Comissão do povo brasileiro. (…) Ela não
pertence a um grupo de especialistas.
O que estou tentando dizer, portanto, é que a Comissão da
verdade é como o movimento brasileiro de Anistia. Um grande movimento popular,
em todo o Brasil, nas universidades, nos sindicatos, nos órgãos associativos
dos arquitetos, dos engenheiros, dos advogados – como a OAB de São Paulo – para
contar essa verdade.
Esse relatório não vai ser um documento que vai ficar numa
prateleira. Terá que ser divulgada a participação de todos. Da Fiesp, das
empresas jornalísticas, das empresas automobilísticas… Todo aquele que
contribuiu com o golpe, como aconteceu na Alemanha nazista, terá que aparecer.
O nosso holocausto não pode ser contado pela metade.
BLOG DA CIDADANIA –
Pelo que entendo, então, deputado, o senhor não acredita que será possível
excluir a imprensa dessa investigação. É isso?
ADRIANO DIOGO – Ninguém poderá ser excluído.
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