Delúbio Soares (*)
O monumental André Maulraux, intelectual brilhante, ícone da
resistência ao nazismo e ministro da Cultura no governo de De Gaulle, dizia que
“o outro nome da França é liberdade”. Em Goiás o outro nome da liberdade é
Batista Custódio. O foi quando o “Cinco de Março” era um facho de luz
iluminando a escuridão nos anos sofridos da ditadura militar. E o é – mais do
que nunca – na luta renhida do Diário da Manhã, plural e democrático, nos dias
de hoje.
Não fosse o jornalista combativo, o ser humano invulgar, o
guerreiro incansável, o intelectual erudito, a figura arrebatadora, com todas
as suas circunstâncias e prenhe de contradições, alguns erros e um punhado de
acertos, Batista Custódio já valeria muito pelo credo libertário que professa à
exaustão, como uma bandeira de vida desfraldada aos ventos da história goiana
em mais de meio século de militância e trabalho.
Faço questão de avisar logo: esse não é um artigo imparcial.
Nem poderia ser, já que sou admirador confesso de Batista Custódio. Comemoro
mais um aniversário da fundação do DM como quem faz uma oração ou reafirma um
afeto. Como se esquecer da santa loucura de um obstinado que funda no coração
do Brasil, no árido cerrado e ainda na vigência de uma ditadura implacável, um
jornal com alta qualidade e nível nacional? Como não se lembrar do jornalista
que combina seu caráter passional com inteligência clarividente? Como
desconhecer um homem marcado tanto por vitórias quanto fatalidades, que teima
em resistir e faz de sua vida um auto de fé na liberdade de opinião, num hino
de louvor à pluralidade de pensamento? Como não gostar de um homem que provoca
tanto admirações absolutas quanto inconfessáveis invejas?
Lá pelos anos de chumbo do regime militar pós-64, quando a
noite era mais noite, Batista Custódio, bem informado como sempre, é avisado de
que o violento governador da época deliberara a eliminação física de alguns
“inimigos” políticos, adversários ideológicos, líderes sindicais e “perigosos
esquerdistas”. Dentre os quais minha singularíssima pessoa de jovem líder
sindical dos professores. Antes mesmo de nos avisar do risco brutal que
corríamos, irrompeu sua figura vulcânica no Palácio das Esmeraldas. Esbravejou,
ameaçou e apequenou ainda mais a figura de um tiranete provinciano atônito
diante da ira de um enfurecido e transtornado Batista Custódio. É que o velho
leão das rotativas goianas, o guerreiro das redações, colocou-se como Homem,
como pai, como amigo, como democrata. Com sua audácia e destemor salvou-nos,
com certeza, a vida. Esse é o Batista Custódio, esse é o homem, o tipo humano
generoso que oscila do grito ao soluço, do riso à lágrima em segundos, ao ritmo
de um coração cansado, mas enorme.
Não importa o que pense da política goiana ou quem ele, eventual
ou sistematicamente, vá apoiar. Não tem a menor relevância se nossos caminhos
nem sempre se cruzem na hora em que as preferências políticas ou compromissos
partidários nos afastem. A grandeza de Batista é ser um homem cheio de
defeitos, mas nenhum deles maior do que seu amor à democracia e seu compromisso
com a imprensa livre.
Conseguiu fazer um jornal único, personalíssimo, espelho de
sua cabeça aberta e revolucionária. De extremistas ideológicos à direita e à
esquerda, de quem nada tem a ver com ele ou com o que ele pensa, o Diário da
Manhã abre espaço para o pensamento dissonante, as idéias que borbulham e
polemizam, as opiniões mais conflitantes, as teses mais diversas. Uma
trincheira segura e profunda da imprensa sem mordaças.
Batista Custódio é a mais importante figura da imprensa
goiana de seu tempo. Seu jornal não se fecha em preconceitos ideológicos ou
dogmas estéreis. Sua vida é feita de tinta, papel, notícias, horizontes e
sonhos.
Ao comemorar o aniversário do Diário da Manhã e homenagear a
figura ímpar do grande jornalista, o faço com admiração, gratidão e carinho a
todos os que o fazem e, também, aos que por sua redação passaram ao longo
dessas décadas. Recordo, particularmente, as figuras de Consuelo Nasser, Fábio
Nasser e de Aloisio Biondi, com saudade, mas também com alegria por tê-los
conhecido, privilégio imenso que carrego comigo.
O Diário da Manhã sobreviveu a todos os golpes recebidos, às
tentativas de intimidação e censura, aos boicotes econômicos, às concorrências
desleais, às pressões políticas e aos sofrimentos e tragédias pessoais. E
sobreviverá a Batista e a nós todos. Sua trajetória fecunda se confunde com a
vida extraordinária de seu criador, misto de missão e de pirraça, mistura rara
de coragem e obstinação, firme como um jequitibá frondoso, duro e indiferente à
aridez da paisagem ou a mudança dos ventos.
Salve Batista Custódio e seu talento. Longa vida ao Diário da
Manhã.
(*) Delúbio Soares é professor
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