Para fugir de uma multa milionária por não oferecer condições
básicas de trabalho a seus funcionários, McDonald’s firma acordo com o
Ministério Público para financiar propaganda contra o trabalho infantil
Por Michelle Amaral
“Uma vez eu estava com
uma bandeja cheia de lanches prontos para serem entregues e escorreguei. Quando
ia caindo no chão, meu coordenador viu, segurou a bandeja, me deixou cair e
disse: ‘primeiro o rendimento, depois o funcionário’”, conta Kelly, que
trabalhou na rede de restaurantes fast food McDonald´s por cinco meses.
“Lá você não pode
ficar parado, se sentar leva bronca”, relata Lúcio, de 16 anos, que há 4 meses
trabalha em uma das lojas da rede na cidade de São Paulo. “Você não tem tempo
nem para beber água direito”, completa José, de 17 anos. “Uma vez eu queimei a
mão, falei para a fiscal e ela disse para eu continuar trabalhando”, lembra o
adolescente. Maria, de 16 anos, ainda afirma que, apesar da intensa jornada de
trabalho nos restaurantes, recebe apenas R$ 2,38 por hora trabalhada.
Os relatos acima retratam o dia-a-dia dos funcionários do
McDonald´s. Assédio moral, falta de comunicação de acidentes de trabalho,
ausência de condições mínimas de conforto para os trabalhadores, extensão da
jornada de trabalho além do permitido por lei e fornecimento de alimentação
inadequada são algumas das irregularidades apontadas por trabalhadores da maior
rede de fast food do mundo.
Somente no Brasil, o McDonald´s tem mais de 600 lojas e
emprega 34 mil funcionários, em sua maioria jovens de 16 a 24 anos.
“Quando se é
adolescente, você vê as coisas acontecerem, mas não vê como assédio moral, nem
nada do tipo. Mas humilhações são constantes. Já fui puxada pela orelha por uma
gerente por demorar em um atendimento”, completa Kelly.
As relações de trabalho impostas pelo McDonald´s são objetos
de estudo de muitos pesquisadores. Do mesmo modo, pelas irregularidades
recorrentes, a rede de fast food é alvo de diversas denúncias na Justiça do
Trabalho.
Em São Paulo, o Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis e
Restaurantes de São Paulo (Sinthoresp), ao longo dos anos, tem denunciado as
más condições a que são submetidos os funcionários do McDonald´s.
Recentemente, resultou em uma punição ao McDonald´s uma denúncia
feita há quinze anos pelo sindicato ao Ministério Público do Trabalho (MPT) da
2ª Região, em São Paulo. Trata-se de um acordo que, além de exigir o
cumprimento de adequações trabalhistas, estabelece o pagamento de uma multa de
R$ 13,2 milhões.
Desse valor, a rede de fast food deve destinar R$ 11,7
milhões ao financiamento de publicidade contra o trabalho infantil e à
divulgação dos direitos da criança e do adolescente durante os próximos nove
anos. Além disso, a rede deve doar R$ 1,5 milhão para o Instituto de Medicina
Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP). O compromisso foi firmado em outubro de 2010 e
passou a valer em janeiro deste ano.
As investigações realizadas pelo MPT a partir da denúncia do
Sinthoresp confirmaram as seguintes irregularidades: não emissão dos
Comunicados de Acidente de Trabalho (CAT); falta de efetividade na Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes; licenças sanitárias e de funcionamento
vencidas ou sem prazo de validade, prorrogação da jornada de trabalho além das
duas horas extras diárias permitidas por lei, ausência do período mínimo de 11
horas de descanso entre duas jornadas e o cumprimento de toda a jornada de
trabalho em pé, sem um local para repouso.
O MPT também apontou irregularidades na alimentação fornecida
aos trabalhadores: apesar de oferecer um cardápio com variadas opções, o laudo
da prefeitura de São Paulo reprovou as refeições baseadas exclusivamente em
produtos da própria empresa por não atender às necessidades nutricionais
diárias. Em relação à alimentação, o McDonald´s chegou a ser condenado, em
outubro de 2010, pela Justiça do Rio Grande do Sul a indenizar em R$ 30 mil um
ex-gerente que, após trabalhar 12 anos e se alimentar diariamente com os
lanches fornecidos pela rede de fast food, engordou 30 quilos.
Processo
Segundo o advogado do Sinthoresp, Rodrigo Rodrigues, a
denúncia feita em 1995 referia-se “aos maus tratos que sofriam os funcionários
do McDonald’s devido às várias reclamações deles aqui no nosso sindicato”.
O advogado do Sinthoresp relata que o MPT chegou a realizar
uma consulta pública com todos os envolvidos no caso. Após isso, ajuizou uma
ação civil pública em março de 2007. Em 2008, houve a assinatura de um Termo de
Ajuste de Conduta (TAC) que estipulava prazos para o cumprimento das
adequações.
Ao comprovar que as exigências não estavam sendo cumpridas, o
MPT ameaçou aplicar uma multa milionária à rede. Para fugir da punição, o
McDonald’s firmou esse novo acordo em outubro de 2010.
De acordo com a procuradora do trabalho Adélia Augusto
Domingues, o MPT está em processo de tratativas com a rede de fast food para a
implementação de todas as adequações necessárias. “O processo terá o
acompanhamento do Ministério Público do Trabalho em todas as etapas, até que as
adequações sejam completamente realizadas”, afirma Domingues.
A procuradora acredita que o acordo firmado com a rede
beneficiará os funcionários. “Esses ajustes são positivos e importantíssimos
para os empregados da empresa, que na maioria são adolescentes que requerem,
sem dúvida, cuidados especiais, em razão de encontrarem-se na fase do processo
de desenvolvimento físico, mental e social”, defende.
A reportagem procurou o McDonald’s que, através de sua
assessoria de imprensa, encaminhou um comunicado no qual afirma que os termos
do acordo se alinham com a cultura da empresa de respeitar as leis do país e
contribuir ativamente nas comunidades onde atua. “Acreditamos também que
campanhas educativas e a doação do equipamento médico, como consta do acordo,
poderão beneficiar a sociedade como um todo”, diz o informe.
A rede
De acordo com dados do site do McDonald’s, no ano de 2009 a
rede estava presente em 118 países e possuía 31 mil lojas onde trabalhavam 1,6
milhão de funcionários. A sede mundial da McDonald’s Corporation fica nos
Estados Unidos e, nos demais países do mundo, a rede opera por meio de
franquias.
O McDonald’s chegou ao Brasil em 1979 e, desde 2007, a Arcos
Dourados é a franqueadora do McDonald’s no país e na América Latina. A Arcos
Dourados tem como sócios os fundos Gávea Investimentos, do ex-presidente do
Banco Central Armínio Fraga, o DLJ South America Partners, fundo ligado ao
Credit Suisse, e o Capital International, do The Capital Group Companies. O
lucro da rede de fast foods no Brasil em 2009, conforme informações do site,
foi de R$ 3,45 bilhões. Já em 2010, em todo o mundo, o McDonald´s obteve lucro
de 4,95 bilhões de dólares.
*Os nomes dos funcionários citados na matéria são fictícios.
Outros processos contra
o McDonald’s
Discriminação em
processo seletivo
Em janeiro de 2010, o Ministério Público do Trabalho da
Paraíba iniciou uma investigação contra a rede de fast food por discriminação
em um processo seletivo. O McDonald´s publicou um anúncio de vagas de emprego
em que determinava que os candidatos deveriam ter entre 18 e 22 anos. De acordo
com o artigo 7º da Constituição Federal de 1988, é proibido utilizar como
critério de admissão sexo, idade, cor ou estado civil. Esses critérios são
considerados discriminatórios, pois ferem o princípio de igualdade nas relações
de trabalho.
Não garantia de
alimentação saudável a seus funcionários
O McDonald´s foi condenado, em outubro de 2010, pela Justiça
do Rio Grande do Sul a indenizar em R$ 30 mil um ex-gerente que, após trabalhar
12 anos e se alimentar diariamente com os lanches fornecidos pela rede de fast
food, engordou 30kg. Já em 2009, em Riberão Preto (SP), o 15º Tribunal Regional
do Trabalho condenou o McDonald’s a pagar ao ex-funcionário Rafael Luiz uma
indenização de R$ 2 mil, correspondentes ao valor de cestas básicas durante
cerca de dois anos – período em que ele trabalhou na rede de fast food. O juiz
Ricardo de Plato, que emitiu a sentença, afirmou que é de “conhecimento público
e notório” que a ingestão diária dos lanches da rede, “ em substituição a uma
das principais refeições do dia, por um longo período de tempo, é prejudicial”
à saúde.
Falta de higiene e
cuidados no preparo dos alimentos
Em 2006, no Texas (EUA), uma família abriu um processo contra
uma das lojas franqueadas da rede de restaurantes fast food por ter encontrado
um rato morto em uma salada comprada no local.
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