Recuos nas políticas públicas de comunicações
Por: Paulo Kliass - via blog Viomundo
Se ocorreu alguma diferença com o governo Dilma na
preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica, o mesmo não pode ser
dito no domínio das comunicações. Ali a opção foi pelo aprofundamento da
política voltada ao mundo empresarial.
Paulo Kliass, na Carta Maior
Passados mais de 10 anos de uma grande expectativa criada
quanto a mudanças efetivas na condução da política e da economia em nosso país,
algumas áreas de foco de ação governamental são mais evidentes por não
apresentarem as transformações necessárias e esperadas.
Dentre elas, o setor de comunicações talvez seja um dos que
mais concentram as energias da frustração e da desesperança.
Parcela significativa das matérias sob jurisdição do
Ministério das Comunicações é composta de temas e processos associados ao
conceito de “bens e serviços públicos”, a serem explorados diretamente pelo
Estado ou transferidos, sob a forma de concessão, ao setor privado.
As emissoras de rádio e televisão só podem funcionar se
obtiverem a autorização oficial do Estado brasileiro para fazê-lo. As empresas
de telefonia também operam uma modalidade específica de serviço público e só
podem funcionar se forem portadoras de concessão para esse fim. A operação dos
serviços de internet e banda larga também exigem autorização, regulamentação e
fiscalização da administração pública federal.
Perspectiva de mudanças
e frustração
Para quem imaginava que 2003 significaria um momento de
reversão da tendência anterior de consolidação das práticas neoliberais no
setor, os anos que se seguiram foram bastante desanimadores. A partir de meados
do primeiro mandato de Lula, a opção política foi feita e o recado foi
transmitido com todas as cores, para que não pairassem dúvidas a respeito da
verdadeira intenção política do governo dirigido pelo Partido dos
Trabalhadores.
Assim como a condução da política econômica foi entregue ao
ex presidente internacional do Bank of Boston, a política de comunicações foi
entregue a um fiel servidor dos interesses das Organizações Globo e das grandes
corporações do setor.
Depois da nomeação de Henrique Meirelles para a Presidência
do Banco Central em 2003, Lula nomeia o Senador Helio Costa para o Ministério
das Comunicações em 2005. Enquanto o império de Meirelles durou os exatos 8
anos dos dois mandatos de Lula, Helio Costa ficou “apenas” 5 anos no cargo.
Se ocorreu alguma diferença com a chegada da presidenta Dilma
na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica com tinturas
heterodoxas, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações.
Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao
atendimento dos pleitos do mundo empresarial. A nomeação de Paulo Bernardo para
o Ministério antes ocupado por Helio Costa não significou nenhuma mudança
expressiva em relação à estratégia anterior para o setor.
Telefonia e internet:
empresas intocáveis
A agenda da telefonia não representou grandes avanços em
termos de melhoria da qualidade dos serviços ou de redução das tarifas
elevadas, mesmo para padrões de comparação internacional. As autorizações
concedidas para a fusão das grandes empresas do setor não foi revertida.
Muito pelo contrário, houve a continuidade dos níveis de
concentração e centralização entre os conglomerados que operavam a telefonia
convencional e a telefonia celular. A configuração de práticas de oligopólio
não recebeu tratamento mais efetivo por parte da Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) e tampouco do Ministério.
Para se ter uma ideia, as empresas de telefonia fixa e
celular sempre estiveram impunemente à frente do desrespeito às regras e
direitos dos usuários. Confirmando a tradição, foram as campeãs de reclamações
junto aos órgãos de defesa do consumidor em 2012, registrando o dobro das
notificações de bancos ou cartões de crédito. No quesito da reivindicação
histórica pela revogação da assinatura básica, tampouco o governo se movimentou
para viabilizar a aprovação de algum dentre os Projetos de Lei que tramitam no
interior do Congresso Nacional há vários anos sobre o tema.
Os processos envolvendo a ampliação e o aprofundamento da
inclusão digital também foram sendo tocados a um ritmo bastante abaixo do
desejável. A conivência dos órgãos reguladores com o desleixo a que os usuários
dos sistemas de acesso à internet são tratados pelas empresas do setor chega a
ser escandalosa.
Um dos exemplos mais gritantes é o direito assistido às
empresas para que não cumpram nem mesmo o contratado quanto à velocidade e
capacidade de transmissão na rede de banda larga. Por outro lado, pouco se
exige em termos de contrapartida das empresas operadoras, no sentido de ampliar
a rede de acesso à internet e tornar o sinal acessível em municípios e localidades
distantes dos centros urbanos mais adensados.
Já se foram mais de dez anos e o potencial de uso do estoque
de fibra ótica da Telebrás permaneceu inutilizado. Isso porque o governo
federal tinha condições jurídicas de fazer valer sua condição de acionista
majoritário para ampliar a rede física por todo o território nacional. Mas a
opção foi pela postura passiva da espera e de não contrariar os interesses dos
grandes grupos privados atuantes no setor.
Como a maioria dos grupos privatizados pertence a conglomerados
americanos e europeus, as diretrizes empresariais determinam a redução drástica
de recursos aplicados em reinvestimentos e o aumento da remessa de lucros para
ajudar as matrizes a resolveram a falta de perspectiva pela crise
internacional. E os órgãos reguladores do Estado brasileiro assistem calados a
tal movimento, que na prática tem o sentido de um lento e silencioso
sucateamento desse novo e estratégico setor da economia.
Lei do Marco
Regulatório: recuo patético
A outra área de comunicações, também essencial para um
governo que se pretenda transformador, não está exatamente sob o domínio de
Paulo Bernardo. Trata-se das decisões do Estado relativas à sua própria
política e estrutura de comunicação.
Essa vasta agenda inclui temas tão diversos e essenciais
quanto: i) as emissoras públicas de rádio e TV; ii) a descentralização e a
democratização das vultosas despesas com publicidade do governo e das empresas
estatais; iii) a proibição de formação de conglomerados típicos das
oligarquias, cruzando imprensa escrita, falada e televisionada; iv) a
responsabilização por abusos de poder, seja na área política,
econômico-financeira ou outras; entre tantos assuntos similares.
A sensibilidade e a importância da matéria remetem à
necessidade da Casa Civil, junto com a Presidenta, se envolver diretamente com
a matéria. A Ministra Gleisi Hoffmann, esposa de Paulo Bernardo, não pareceu se
entusiasmar muito com o projeto elaborado ainda na gestão de Franklin Martins.
Tampouco a atual titular da Secretaria de Comunicação, Helena
Chagas, deu mostras de batalhar pela aprovação do novo marco regulador da
imprensa e das comunicações em geral. O resultado foi a declaração patética,
onde a equipe governamental oficialmente joga a toalha e lava as mãos: não mais
se compromete com a regulamentação do setor
Em sentido inverso ao
processo levado a cabo na Argentina, Uruguai, Equador e Venezuela, o governo
brasileiro resolveu recuar e não mais se envolver com o projeto em tramitação
no Congresso Nacional. Pressionada pelos grandes grupos empresariais do amplo
setor de comunicação, Dilma voltou atrás na estratégia ainda definida no
governo Lula e deixou essa área estratégica da economia e da sociedade sem
qualquer tipo de controle ou regulamentação.
Em nome da hipocrisia da defesa da “liberdade de imprensa e
de opinião”, os empresários recusam qualquer tipo de normativa ou ação do poder
público para coibir abusos e para fazer valer a vontade da maioria da
população.
Na União Européia, vários países dispõem de instrumentos para
viabilizar esse tipo de ação regulamentadora. Ao contrário da acusação
irresponsável de “lei da mordaça”, trata-se de mecanismo de defesa da
democracia da sociedade contra os abusos do chamado “quarto poder”.
Estão aí inúmeros exemplos como o de Rupert Murdoch na
Inglaterra, onde fica evidente a necessidade da ação do poder público. O caso
do “News of the World” e os excessos cometidos só reforçam a justeza dos
dispositivos da Lei de Meios, por impedir a centralização do poder econômico em
diversos segmentos das comunicações.
Infelizmente, o receio de avançar pelo caminho da
transformação social mais efetiva é marca também do setor de comunicações. Não
bastassem os recuos em termos de aspectos da política econômica, na questão
agrária, na questão ambiental, nas benesses concedidas aos conglomerados da
infraestrutura, entre outros, o governo perde mais uma oportunidade de se
legitimar junto a amplos setores da sociedade.
Para isso, bastaria se empenhar pela aprovação do Projeto de
Lei no Congresso Nacional, como faz sistematicamente com outros textos de seu
interesse.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
Posted Paulo Cavalcanti
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