Por Marcelo Justus
A polícia está investigando centenas de novos casos de
escutas telefônicas da extinta publicação dominical do grupo Murdoch, “News of
the World”. As revelações de um informante do periódico colocam outra vez
contra as cordas o império midiático que, mediante indenizações e acordos
extrajudiciais, estava tentando sepultar a investigação. Enquanto isso, os três
principais partidos políticos fecharam um acordo, domingo à noite, sobre a regulação
da imprensa escrita. “Minha mensagem à imprensa é claro. Debatemos o tema. É
hora de olhar para a frente e fazer funcionar este novo sistema”, disse o
primeiro ministro David Cameron em uma sessão emergencial do parlamento.
O novo marco regulatório, que estabelece multas de até um
milhão de libras e obriga os periódicos a pedir desculpas publicamente em caso
de prática de abusos, contará com a sanção da rainha Elizabeth II por meio de
um Ato Real e só poderá ser modificado com uma maioria parlamentar de dois
terços. O acordo interpartidário esconde uma surda batalha em torno do tema. Em
novembro passado, a Comissão Leveson propôs a continuidade do sistema de
auto-regulação da imprensa com um código de conduta mais rígido e a criação por
lei de um novo organismo supervisor que vigiasse o cumprimento das normas. A
proposta era moderada, mas a maioria dos grandes meios de comunicação colocou a
boca no trombone e o primeiro ministro conservador David Cameron convocou uma
negociação com os outros partidos deixando claro que se opunha a que o
parlamento sancionasse uma lei porque era “uma ameaça à liberdade de imprensa”.
Nos meses de negociação interpartidária que se seguiram os
conservadores propuseram um Ato Real para resolver a falta de base legal que o novo
marco apresentaria. A proposta foi rechaçada por seus aliados no governo, os
liberal-democratas, e pela oposição trabalhista e as vítimas de abusos da
imprensa, reunidos em torno do grupo Hacked off. Na quinta-feira passada, o
primeiro ministro David Cameron deu por finalizadas as negociações e convocou
uma votação parlamentar para esta segunda-feira. Na última hora da noite de
domingo, chegou-se a um acordo mediante um subterfúgio. As três partes apoiavam
a promulgação de uma lei que estipula que um Ato Real só poderá ser revogado
por dois terços da Câmara dos Lordes e dos Comuns. Assim, ambas as partes
puderam reivindicar uma vitória política. A interrogação que fica é se este
novo marco evitará novos abusos.
A auto-regulação da imprensa foi consagrada em 1953 como uma
espécie de princípio democrático sagrado, mas foi questionada e examinada por
sete comissões nas últimas décadas. A última delas, formada durante os
escândalos familiares que sacudiram a família real (Princesa Diana, divórcios,
etc.) no início dos anos 90, concluiu que era a última oportunidade para a
auto-regulação da imprensa. O experimento falhou como ficou claro no escândalo
das escutas telefônicas. O próprio David Cameron se viu obrigado a criar, em
julho de 2011, uma nova comissão investigadora da imprensa depois que se
revelou que o “News of the World” havia invadido o celular de uma adolescente
desaparecida e surgiram em série denúncias similares de vítimas de violações
familiares de soldados mortos no Afeganistão e Iraque ou qualquer outro tema
que tenha despertado a atenção do olho midiático.
Desde o surgimento do primeiro caso, em 2005, - a escuta
telefônica do príncipe William – 16 pessoas foram levadas a julgamento, entre
elas a outrora número dois de Ruppert Murdoch, Rebekah Brooks, e o ex-chefe de
imprensa do primeiro-ministro Cameron e ex-editor do dominical, David Coulson.
O grupo Murdoch aceitou pagar indenizações em 254 casos e há mais de 250
processos iniciados, que incluem a esposa de Tony Blair, Cherie, e Ted Beckham,
pai do jogador de futebol. Em fevereiro deste ano, seis diretores do “News of
the World” foram presos e na quinta passada o escândalo se estendeu a outro
grupo, o Trinity Mirror, com a prisão de Tina Weaver, ex-editora do “Sunday
Mirror”, e outros três colegas seus. Nesta segunda-feira, um advogado das
vítimas, Hugh Tomilson, disse ao Alto Tribunal de Londres que a polícia havia
descoberto centenas de novos casos de escutas telefônicas.
Até aqui, o golpe mais duro atingiu Rupert Murdoch e a News
Corporation, segundo grupo midiático do mundo. Murdoch teve que abandonar sua
tentativa de obter o controle absoluto da cadeia BSkyB e prestou dois
depoimentos no parlamento. Em maior do ano passado, a Comissão de Cultura,
Meios de Comunicação e Esportes declarou que ele não era “uma pessoa com as
condições requisitos” para estar a frente de uma companhia internacional.
Embora o controle acionário da News Corporation (cerca de 39%) permita-lhe
manter as rédeas do grupo, sua influência diminuiu. Nos últimos meses, abriu
mão de um milhão de ações da empresa e seu filho James, até antes do escândalo
considerado o herdeiro do grupo, renunciou no ano passado como diretor
executivo da News International, o braço britânico da empresa, e como
presidente da BSkyB.
James Murdoch declarou repetidamente que todo o escândalo das
escutas se devia a “uma maçã podre”. O golpe letal para sua carreira e a de seu
pai será se a investigação policial em curso determinar que um dos dois ou
ambos conheciam e concordavam com uma prática de espionagem jornalística que
era “vox populi” em ambientes da imprensa e que havia chegado à cultura popular
das séries televisivas sobre o jornalismo.
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