Populista
Por Vladimir Safatle
A morte de Hugo Chávez serviu, entre outras coisas, para
mostrar quão maleável é o uso do conceito de "populismo" entre nós.
Normalmente utilizado como uma injúria, "populismo"
deve ser inicialmente visto como a expressão do medo de alguns quando veem
mobilizações populares nas ruas. Só assim pode-se explicar como vários de
nossos livros de história descrevem o período entre 1945 e 1964, o primeiro
momento de forte densidade popular na política brasileira, erroneamente como
"República populista".
Fala-se muito da fragilidade institucional e da forte
presença de lideranças carismáticas como características diferenciais do
populismo. No entanto nenhum desses dois pontos devem ser vistos como
excludentes em relação a um conceito substancial de democracia.
Primeiro, porque a democracia tem uma fragilidade
institucional constitutiva, já que ela não ignora a plasticidade das formas e
processos de governo. Acorrentar o futuro por meio de arranjos institucionais
criados para referir-se a situações passadas, acostumando a sociedade a
instituições e dinâmicas que funcionam mal, não tem relação alguma com a
realização de uma sociedade democrática.
Segundo, uma questão importante a ser levantada, mas,
entretanto, muito pouco pensada, consiste em perguntar pelo lugar da liderança
no interior de uma sociedade democrática.
Talvez estejamos muito marcados por um certo weberianismo que
vê o carisma como a explosão do irracional no interior da política, sendo que
ele é, muitas vezes, a condição para que identificações e investimentos
libidinais se realizem.
A personalização de um processo histórico não é algo
necessariamente ruim, como já dizia Hegel. Ao contrário, muitas vezes ela é a
astúcia necessária para que tais processos ganhem força. Vários movimentos de
transformação perdem força por não terem lideranças capazes de fornecer a
imagem que leva a sociedade a atravessar seus medos. Ou seja, a democracia e
sua inventividade política não exclui a função da liderança.
Mas a crítica do uso do conceito de populismo não implica,
necessariamente, recusar toda sua força crítica. Há um uso restrito do conceito
que talvez deva ser conservado, por retratar um risco de bloqueio em processos
de transformação social. Ele se refere aos arranjos nos quais o poder converge
para o fortalecimento de um polo altamente centralizado e personalizado,
normalmente o Poder Executivo.
Quando isso ocorre, como foi o caso na Venezuela, a
transferência do poder em direção a instâncias autônomas de democracia direta
não se completa. No entanto nem nas democracias que conhecemos isso ainda
ocorre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário