Detalhes sobre o assassinato do comandante Jonas, da Ação
Libertadora Nacional, foram revelados esta semana em audiência da Comissão da
Verdade de São Paulo.
Por: Júlia Rabahie, da Rede Brasil Atual
Familiares e colegas depuseram ontem sobre a morte de
Virgílio Gomes da Silva: o militante foi assassinado brutalmente. (Foto:
Assembleia Legislativa)
São Paulo – Novos depoimentos de ex-militantes reforçam a
dose de sadismo dos torturadores de presos políticos no final da década de
1960, além de trazerem à tona detalhes sobre a morte de Virgílio Gomes da
Silva, o comandante Jonas, em setembro de 1969. Os militantes, assim como
Virgílio, faziam parte da Ação Libertadora Nacional (ALN), uma das principais
organizações guerrilheiras de combate à ditadura brasileira (1964-85).
Antônio Carlos Fon, Celso Horta e Manuel Cirillo participaram
esta semana da audiência pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo
Rubens Paiva, na Assembleia Legislativa, para depor sobre a morte de comandante
Jonas, torturado em um dos porões da ditadura, a Operação Bandeirantes (Oban).
A Oban se tornaria depois o Destacamento de Operações de Informações – Centro
de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) de São Paulo.
“O capitão Albernaz
era o mais violento e o mais doente de todos eles. Ele simbolizava muita coisa,
andava com um pedaço de viga de madeira na mão, e quando passava nos corredores
ia batendo nos presos. Não precisava de sala ou interrogatório para torturar.
Ele era o exemplo do diabo”, disse Horta ao comentar a atuação do capitão do
Exército Benoni de Arruda Albernaz na repressão aos presos da Oban. “Aquilo era
uma casa de horror e de gritos”, completou.
Comandante Jonas era dirigente da ALN e foi um dos
comandantes do sequestro do embaixador norte- americano Charles Burke Elbrick,
no dia 4 de setembro de 1969. Poucos dias depois do fim da operação, quando
pretendia mudar-se para Cuba com a família, Jonas foi preso, torturado e
assassinado, segundo relatos.
Os depoimentos dos companheiros de militância de Virgílio à
Comissão da Verdade indicam que sua morte ocorreu no dia 29 de setembro do
mesmo ano, dia em que foi preso. O jornalista e companheiro de Virgílio da ALN,
Antonio Carlos Fon, declarou ter certeza sobre os responsáveis pela morte do
amigo. “Major Inocêncio de Fabrício Beltrão, capitão Benone de Arruda Albernaz,
sargento Paulo Bordini e capitão Maurício Lopes Lima assassinaram Vírgilio
Gomes da Silva, sob tortura brutal. Afirmo aqui e afirmo em juízo se for
necessário.”
“Neste dia tínhamos
marcado um ponto e percebi logo que havia repressão ali. Nem cheguei a
atravessar a rua. Mas me localizaram, e quando me dei conta estava dentro de um
fusca, os soldados com os pés em cima de mim. Fui desembarcar na Operação
Bandeirantes”, contou Celso Horta, que, à época, era estudante, e militava na
ALN desde 1968. “Sofri choques elétricos, e assim que os torturadores se
retiraram vi a chegada do Virgílio. Ele devolvia os chutes e gritava 'vocês
estão matando um brasileiro, um patriota'.” Esta foi a última vez que Horta viu
Jonas vivo.
Apesar de afirmar certeza sobre sua data de prisão – dia 30
de sembro de 1969 (um dia após a prisão de Virgílio) – os documentos de prisão
de Manuel Cirillo indicam que sua captura foi feita antes desta data, no dia 16
do mesmo mês. “Isso já é a primeira coisa a ser investigada pela comissão.”
“Toque vermelho”
Cirillo estava hospedado em uma casa em São Sebastião, no
litoral norte de São Paulo, quando foi preso, junto com a esposa de Virgílio,
Ilda Gomes da Silva, e os quatro filhos do casal: Virgílio, Vladimir, Gregório
e Maria Isabel – que tinha apenas quatro meses de idade. “Esperávamos
documentos falsos para ir para o exterior. Quando acordei, na manhã do dia 30,
havia um cidadão com um pé no meu peito e um fuzil na minha cara. Os
espancamentos começaram ali mesmo, na frente das crianças”, contou Cirillo.
O militante contou que, logo ao chegar no prédio da Oban, foi
levado para a sala de tortura. “O que mais impressionou no pau de arara foi o
sangue que havia ali, devia haver pedaços de massa encefálica também”, disse,
emocionado. De acordo com ele, enquanto era torturado, os torturadores diziam,
repetidamente e em tom de escárnio “matamos um brasileiro aqui, mas que tinha
um toquezinho de vermelho”. “Debaixo das porradas que eu sofria, contaram que
mataram um 'brasileiro' na véspera, isso ficou na minha cabeça”, contou.
Foi apenas em 2004 que a ficha do atestado de óbito de
Virgílio foi localizada no Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo. “Mais de
30 anos depois, o atestado de óbito de Virgílio é achado, e traz as informações
de que vestia uma camiseta amarela, um calção verde, e meias vermelhas. Um
brasileiro com um toque de vermelho.”
O atestado também indicava que o corpo do militante havia
sido sepultado no Cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina, na zona
leste paulistana. No fim de 2010, atendendo aos pedidos da família, do
Sindicato dos Químicos – do qual era militante – e do Grupo Tortura Nunca Mais de
São Paulo, o Ministério Público Federal conseguiu acordo para que se desse
início aos trabalhos de escavação no cemitério.
A operação, envolvendo a Polícia Federal, o Instituto Médico
Legal e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, foi
encerrada em março de 2011 com a retirada de várias ossadas que passaram por
análises de laboratório. O cemitério, a partir da década de 1970, foi
fortemente descaracterizado, teve suas ruas alargadas e árvores plantadas,
tornando a localização dos corpos praticamente impossível.
Ilda Gomes da Silva, e dois de seus filhos estavam presentes
na audiência: Virgílio – Virgilinho, como é chamado – e Maria Isabel. Em depoimento emocionado,
Virgilinho contou sobre o período em que ele e os irmão ficaram separados da
mãe, quando ela foi presa. Dona Ilda ficou nove meses na prisão. Durante este
período, as crianças ficaram no Juizado de Menores por dois meses.
“Levavam a gente para
passear, e mostrar casas, nos oferecendo para adoção. Diziam que nossos pais eram
bandidos. Depois nossas tias conseguiram nos tirar de lá, fomos cada um morar
com uma delas.” Depois da soltura de dona Ilda, ela e os filhos foram para
Cuba, em 1973, da onde só retornaram ao Brasil depois de 21 anos, em 1994. “Em
Cuba, eu vi o sonho dos que lutavam contra a ditadura no Brasil”, disse o filho
do dirigente morto.
Ele também agradeceu a presença dos militantes da ALN na
audiência, ressaltando a importância de seu papel para o resgate à memória e à
verdade. “Somos privilegiados de estar aqui com pessoas que fizeram parte da
história do Brasil, que abdicaram dos seus sonhos para levantar sua voz na
Justiça contra aqueles que, pela força, achavam que podiam dominar.” Ele também
destacou o trabalho das Comissões da verdade pelo país. “Já vivi vários
momentos históricos, e neste momento vivo outro, de resgate da justiça.”
Ampla, geral e
irrestrita
O deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão, e os
ex-militantes da ALN defenderam uma revisão da Lei da Anistia, de 1979, que
garante anistia política aos militantes de esquerda e também aos agentes da
repressão do Estado. “Aquela gente tomou de assalto o Estado brasileiro. Todas
as instituições foram tomadas de assalto, esta lei tem de ser revista, foi
votada por um Congresso cassado, porque o parlamento também foi tomado”, disse
Cirillo.
A lei garante anistia àqueles que cometeram “crimes políticos
ou conexos com estes”. Cirillo contesta o significado dado, pela lei, aos
crimes conexos. “Não deveriam ser crimes entendidos como aqueles praticados
pelos que estavam no poder, mas sim como a criação de condições para os
guerrilheiros fugirem de prisões, coisas do tipo.”
Atuação
Virgílio Gomes da Silva nasceu na cidade de Santa Cruz, no
Rio Grande do Norte, em 1933. Em 1957, já em São Paulo, começou a trabalhar
como operário na empresa Nitroquímica. No mesmo ano, ingressou no PCB e passou
a atuar no Sindicato dos Químicos e Farmacêuticos de São Paulo. Em 1964, após o
golpe, foi preso por sua atuação como sindicalista, e após alguns meses ficou
no Uruguai, durante três meses. Em 1967 entrou para a ALN e foi para Cuba fazer
treinamento de guerrilha, onde ficou até 1968.
Os depoimentos dos colegas e familiares lembraram Virgílio
como um “grande estrategista”. “Virgílio sempre teve a cabela voltada para o
social, antes de mais nada, apesar de ser nosso comandante militar”, disse
Celso Horta.
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