Por Altamiro Borges - de São Paulo
O governo ensaia um namorico com a mídia conservadora
Por Altamiro Borges -
Avança o consenso nas esquerdas políticas e sociais de que a
mídia exerce hoje papel central na disputa pela hegemonia na sociedade. Não há
como avançar nas lutas dos trabalhadores, na radicalização da democracia e na
própria superação da barbárie capitalista sem enfrentar o poder altamente
concentrado e manipulador dos latifundiários da mídia. A luta pela democratização
da comunicação, com o fim dos monopólios privados e com o estímulo à
pluralidade informativa, passa a ser encarada como estratégica na atualidade.
Antonio Gramsci, intelectual e revolucionário italiano, já
havia alertado para esta questão no início do século passado. Como apontou na
época, principalmente nos momentos de crise da representação partidária das
classes dominantes, a imprensa ocuparia a função de “partido do capital”. Ela
se tornaria o principal “aparelho privado de disputa da hegemonia”. Hoje, com a
construção dos gigantescos impérios midiáticos – menos de 30 no planeta e
apenas sete no Brasil –, este papel nefasto ficou ainda mais proeminente.
Na América Latina, que de laboratório do neoliberalismo
transformou-se em vanguarda na luta pela superação das teses destrutivas e
regressivas do capital, esta distorção é ainda mais visível. A mesma mídia que
apoiou os golpes e as ditaduras militares na região e que disseminou as teses
do desmonte do Estado, da nação e do trabalho, hoje substitui os partidos em
crise das classes dominantes como a principal força opositora e
desestabilizadora dos governos progressistas democraticamente eleitos pelo
povo.
Mesmo no Brasil, onde a luta de classes ainda não atingiu
maior radicalização, os barões da mídia tentam agendar a política, definir as
prioridades e enquadrar os governos. A própria ex-presidente da Associação
Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, executiva do Grupo Folha, confessou
recentemente que a mídia desempenha a “posição oposicionista” em função da
“fragilidade da oposição”. Em vários episódios, a velha imprensa tem se
comportado como a principal força opositora ao que ela mesma batizou de
lulopetismo.
Nas eleições de 2010, esta postura ficou explícita. Cito três
episódios grotescos para ilustrar. Ainda quando se definia a candidatura da
ex-ministra Dilma Rousseff como sucessora de Lula, a Folha de S.Paulo publicou
na capa uma ficha policial falsa da postulante. Já na campanha, a TV Globo
transformou uma bolinha de papel quase num míssil contra a careca do tucano
José Serra. A mídia também fez um baita escarcéu com a questão do direito do
aborto, reproduzindo frase de Mônica Serra de que Dilma “matava criancinhas”.
Um quarto episódio se deu nas eleições municipais do ano
passado. Durante três meses, a mídia explorou ao máximo o julgamento do
“mensalão do PT”. De forma seletiva, esbanjando alto padrão de manipulação, ela
omitiu os escândalos envolvendo políticos da direita para interferir no
processo eleitoral. O julgamento chegou a ser cronometrado. Não por
coincidência, a condenação do núcleo político por “corrupção passiva” ocorreu
na véspera do primeiro turno; já o da “formação de quadrilha” se deu na reta
final do segundo turno.
A mídia perseguiu dois grandes objetivos no julgamento – num jogo
combinado com o Supremo Tribunal Federal (STF). O primeiro foi tático,
imediato, visando impedir o definhamento dos partidos da direita. O plano não
obteve êxito completo, como atesta a derrota de José Serra na capital paulista.
Mas em outras capitais e centros urbanos, a tática surtiu efeito ao alavancar
candidaturas do bloco liberal-conservador. O segundo objetivo, mais
estratégico, foi o de desmoralizar as esquerdas. A mídia tentou levar ao banco
dos réus não apenas os chamados “mensaleiros”, mas todas as forças políticas e
sociais que deram sustentação aos governos Lula e Dilma.
A partidarização da imprensa fica mais escancarada nos
momentos decisivos das eleições. Mas ela não se manifesta somente nestes
períodos. Ela se dá no cotidiano, tentando interferir nos rumos do governo.
Agora mesmo a mídia concentra a sua artilharia contra as tímidas mudanças no
“sagrado” tripé neoliberal. A mídia, que também é poder econômico, não esconde
os seus vínculos com o capital, principalmente o financeiro, contrapondo-se à
queda dos juros, ao controle do cambio e à maior flexibilidade nas políticas
fiscais. Ela também fez terrorismo contra a redução das tarifas de energia
elétrica, numa defesa implícita dos interesses dos ricos acionistas.
Os movimentos sociais já conhecem esta prática dos barões da
direita. Historicamente, eles sempre foram criminalizados e satanizados em suas
lutas. As greves de trabalhadores ou não são notícia ou são tratadas como atos
de vandalismo, que congestionam o trânsito e prejudicam a sociedade. As
ocupações de terra são rotuladas de invasões e os seus autores são taxados de
bárbaros, que destroem a sacrossanta propriedade privada. As lutas estudantis
são estigmatizadas como ações de minorias desocupadas e viciadas – coisa de
“quadrilha”, como ocorreu na recente ocupação do prédio da reitoria da USP.
Exatamente por isso, os movimentos sociais têm avançado na
consciência sobre o papel estratégico da luta pela democratização dos meios de
comunicação, contra a ditadura midiática, e têm investido nos seus próprios
veículos de informação e formação. Há ricas experiências de jornais sindicais,
de rádios comunitárias, da construção de tevês alternativas – como a TVT. Neste
esforço, eles contam hoje com novas ferramentas derivadas da brecha tecnológica
aberta pela internet. O ativismo digital tem se convertido num poderoso
contraponto à mídia hegemônica. Ainda é uma guerrilha diante dos exércitos
regulares, mas tem avançado nas suas trincheiras.
O Brasil, inclusive, vivencia uma interessante experiência de
organização destes ativistas digitais. Zelando pela unidade na diversidade, o
chamado movimento dos blogueiros progressistas – batizado de Blogprog – já
realizou três encontros nacionais e um fórum mundial em apenas três anos de
existência. Além de participar da luta pela democratização da comunicação,
unindo-se a outras entidades da sociedade civil – como o FNDC –, este movimento
tem ajudado a dar maior visibilidade às lutas dos trabalhadores, contrapondo-se
à criminalização patrocinada pelos barões da mídia. A direita nativa já sentiu
a sua presença, tanto que os rotulou de “blogs sujos”.
Todo este esforço, porém, ainda não foi suficiente para
pressionar o governo no sentido de enfrentar os monopólios da mídia. O Brasil
permanece como um dos países mais atrasados na implantação de uma regulação
democrática dos meios de comunicação. Até nas chamadas democracias ocidentais,
tão badaladas pela velha imprensa, existem regras para evitar a concentração no
setor e garantir mais diversidade e pluralidade na mídia. Na América Latina, a
vitória de governos antineoliberais tem resultado na adoção de políticas
públicas e de novas leis que estimulam a verdadeira liberdade de expressão –
que não se confunde com a liberdade dos monopólios.
No Brasil, os governos oriundos das lutas democrática e
populares firmaram pactos de não agressão com os barões da mídia. Como
demonstra o professor Venício A. de Lima, no livro Política de comunicações: um
balanço dos governos Lula, o ex-presidente optou por não enfrentar esse grave
problema da democracia nativa. Algumas iniciativas até foram tomadas, como a
constituição da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a redefinição da
distribuição das verbas oficiais de publicidade. Mas elas foram muito tímidas.
Já a atual presidenta, Dilma Rousseff, recuou ainda mais neste terreno minado,
estabelecendo um curioso “namorico” com a mídia.
O governo não entendeu que “nas batalhas pela hegemonia, a
centralidade dos meios de comunicação torna-se decisiva, visto que eles
elaboram e disseminam informações e ideias que concorrem para a formação do
consenso em torno de determinadas concepções de vida” – segundo definição do
professor Dênis de Moraes, no livro Vozes abertas da América Latina. A ausência
de convicção política sobre o caráter estratégico da mídia faz com que o
governo se acovarde diante do tema, o que aumenta a responsabilidade dos
movimentos sociais e dos ativistas digitais na luta pela conquista da
verdadeira liberdade de expressão no Brasil.
Altamiro Borges é jornalista e coordenador do Centro de
Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Postado por Helio Borba
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