Por Luciano Martins Costa
Os jornais da quarta-feira (27/03) não trazem um tema
impactante, desses capazes de mobilizar as opiniões dos leitores. Mas o
conjunto das notícias forma um mosaico interessante para a análise de algumas
mudanças que podem ser percebidas na relação da sociedade com a mídia
tradicional.
Com exceção do Globo, as manchetes destacam a aprovação do
projeto que estende os direitos trabalhistas de empregadas domésticas, tema que
já vem sendo debatido nas redes sociais há pelo menos uma semana: a única coisa
que o leitor tem de novidade é que agora se tornou lei, e os jornais aproveitam
para esclarecer melhor as novas regras.
O Globo prefere usar a manchete para discutir o fechamento do
Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, mas também registra a mudança nas
normas trabalhistas. A Folha de S.Paulo ainda encontra espaço para sua
recém-inaugurada cruzada contra o novo prefeito de São Paulo, cujo mandato
ainda não completou três meses.
De modo geral, parece haver um esforço dos diários para se
manter sintonizados com os debates nas redes sociais digitais, onde a natureza
do trabalho doméstico produz opiniões muito divergentes. Há reportagens
alertando para o risco de centenas de milhares de demissões, a possibilidade de
se reduzir o número de empregos domésticos com carteira assinada, e para o
possível aumento das demandas na Justiça do Trabalho.
Parte da imprensa também registra o caso do jovem que teve um
braço decepado após atropelamento em São Paulo e que se reencontrou com os
homens que o socorreram na ocasião do acidente.
Em todos esses temas, é interessante observar como o
noticiário da mídia tradicional interage com informações e opiniões postadas
autonomamente por participantes das mídias digitais. Assim como acontece com as
instituições que regulam a vida pública, como o conjunto dos partidos
políticos, comissões do Congresso ou entidades do sistema Judiciário, parece
estar em andamento uma diluição do poder da imprensa sobre aquilo que se
costumava chamar de “opinião pública”.
Os espaços públicos
para a comunicação se expandem sem limites perceptíveis e os temas dos quais se
ocupa a sociedade não dependem mais apenas nos meios institucionais de
informação e opinião. A questão da violência urbana, por exemplo, ganha outra
dimensão nos relatos e comentários publicados nas redes sociais, onde as
pessoas podem entender melhor os sentimentos do jovem atropelado ao rever aqueles
que salvaram sua vida.
Democracia midiática
Há sinais de que a sociedade em rede se descola rapidamente
da imprensa e demais instituições tradicionais. Por outro lado, pode-se notar
como a rotina das instituições passa a ser afetada pela dinâmica do ambiente de
relações virtuais criado pela tecnologia digital de comunicação.
A nomeação de deputado pastor Marcos Feliciano para a
presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara provocou uma onda de
protestos nas redes sociais. Os jornais de quarta-feira (27) informam que seu
partido, o PSC, vai manter sua indicação, mas outros integrantes falam em
abandonar a comissão, para obrigá-lo a renunciar.
Não foi certamente um súbito ataque de pruridos morais que
provocou a ruptura no corporativismo parlamentar, mas isso parece resultar das
pressões de milhares de indivíduos nos grupos de debates online. Claramente, a
agenda pública se transfere do ambiente administrado pela mídia tradicional
para o amplo e caótico espaço hipermediado, e não há como prever até que ponto
as informações e opiniões dispersadas pelas redes poderão criar algum padrão
que possa ser analisado objetivamente.
A notícia segundo a qual o fundador do Facebook,Mark
Zuckerberg, estaria organizando um grupo político para atuar junto a instituições
americanas merece uma observação cuidadosa. Trata-se de um movimento que segue
a estratégia de iniciativas como o Avaaz.org, que organiza campanhas
comunitárias por todo o mundo e tem ajudado a congregar ativistas dispersos nas
redes sociais.
O que Zuckergerg pretende, segundo informe distribuído pelo
Facebook,é criar um fundo destinado a financiar mobilizações por reformas
legislativas nos Estados Unidos. Com cerca de US$ 50 milhões, ele planeja
juntar especialistas para levar um pouco de racionalidade aos debates
parlamentares sobre a política de imigração e estimular projetos de reforma do
sistema educacional americano. Além disso, o projeto prevê investimentos em
pesquisas, também com objetivo de reduzir a distância entre o conhecimento
científico e as normas legais.
No Brasil, as mobilizações ainda dependem da vontade de
militantes dispostos a doar seu tempo para campanhas, mas, ainda que faltem
recursos e organização, tais iniciativas já produziram, por exemplo, a lei da
Ficha Limpa.
Na medida em que as redes socais aumentam sua distância das
mídias tradicionais e seu vicioso processo de controle da comunicação, é
possível que estejamos assistindo à consolidação de uma forma muito
interessante de democracia midiática.
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