Por estas e outras que
prefiro ser imorrível, rrssss
Sempre tive uma grande dificuldade para entender o que faz
uma figura pública, ainda mais se intelectual ou artista popular, querer entrar
para a Academia Brasileira de Letras.
O ridículo das vestes, o minueto social das tertúlias
autobajulatórias, o chá no país do cafezinho e, sobretudo, a falta de
representatividade por abrigar, sem critério ou mérito, uma profusão de
ditadores, políticos e jornalistas sem o mínimo talento e em alguns casos -
como os de Getúlio Vargas e Merval Pereira - até sem obra publicada levam-me a
questionar o porquê de gente séria e talentosa de quando em quando se
candidatar à instituição.
Ganhos indiretos
Senti uma dor no coração quando meu ídolo dos tempos de
faculdade Nelson Pereira dos Santos vestiu o fardão e aboletou-se à cadeira
número sete. Mas, embora não assuma publicamente, o veterano cineasta tem
razões objetivas e insuspeitas para agregar-se à ABL: em um país em que a
cultura dos diplomas ainda prolifera e que a produção cinematográfica
encontra-se na mão dos diretores de marketing das empresas, a condição de
acadêmico o credencia junto aos donos do poder e o ajuda a levantar fundos para
os projetos pessoais que deseja realizar. (Note-se o absurdo de o mais longevo
e mais prolífico dos cineastas brasileiros, reconhecido internacionalmente,
ser, com mais de oitenta anos, obrigado a passar o pires quando quer abordar
temas que não interessam ao poder.)
Mas, à revelia das exceções e casos especiais, continuo custando
a entender porque pessoas inteligentes, brilhantes e informadas – como o
filósofo, poeta e letrista Antonio Cícero, o compositor Martinho da Vila e o
ensaísta Muniz Sodré, para citar três dentre tantos exemplos possíveis –
almejam (ou almejaram um dia) a condição de imortal de academia. Apego à
tradição e à simbologia? Ambição desmedida? Vaidade?
De Machado a FHC
Essa reflexão acerca da ABL veio no bojo do anúncio da
candidatura do ex-sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à
instituição. Não restam dúvidas de que, comparado a alguns de seus futuros
colegas de chá, o atual candidato tem, efetivamente, uma obra a apresentar,
representada por sua contribuição à formulação da Teoria da Dependência, que, a
partir dos anos 60, procurou explicar as relações entre metrópole e colônia a
partir de uma confluência entre o legado weberiano e a releitura de Marx.
É forçoso notar, no entanto, que se trata de um arcabouço
teórico que envelheceu mal, tendo sido desautorizado pelo próprio FHC, tanto em
declarações ("esqueçam o que eu escrevi") quanto nas ações que tomou
como presidente da República, ao abraçar o mais desbragado neoliberalismo.
Candidato único
Isso reforça a impressão de que, para além da contradição de
se nomear para uma academia de letras alguém que pediu que esquecessem o que
escreveu, a motivação para tal nomeação tem pouco ligação com seu legado
intelectual e tudo a ver com o que oferece em termos de projeção midiática e o
que significa em termos de gesto político.
É o ex-presidente, –
que, num exemplo de seu espírito democrático, só aceitou candidatar-se se não
houvesse concorrência passível de derrotá-lo -, e não o escritor, quem assoma à
academia e à ribalta pública, a vaidade repressada no fardão como em um
espartilho e a bajulação de uma dúzia de pseudointelectuais fazendo as vezes do
reconhecimento popular que os brasileiros lhe negam. É altamente significativo
das intenções políticas da candidatura que o ingresso de Fernando Henrique na
ABL se dê no momento mesmo em que seu legado sai do anonimato forçado a que os
candidatos tucanos o relegaram na última década e volta, através da
candidatura, por ele impingida, de Aécio Neves à Presidência.
Luzes da ribalta
A mídia, evidentemente, vibra com a possibilidade mais
manchetes positivas relativas a um de seus ídolos. Antes mesmo da confirmação
da candidatura já pululavam nos portais notícias sobre o novo imortal -
contrapostas a manchetes negativas sobre Lula e Dilma, como é de praxe.
Porém a inação do governo Dilma em relação à mídia e a teimosia
em continuar enchendo as burras das grandes publicações enquanto a imprensa
alternativa agoniza desautorizam a repetição ad infinitum das queixas contra a
mídia e a vitimação do governo petista – já se passou tempo suficiente para
saber que é este mesmo seu modus operandi e, há dez anos no Planalto e com
ampla aprovação popular, o governo Dilma tem poder mais do que suficiente para
enfrentá-la, prestando um favor à democracia.
Prefere, porém, a inação e o silêncio, entrecortado de frases
acacianas de efeito. Talvez ainda mais misterioso do que compreender as razões
que levam um artista ou pensador de qualidade a almejar uma vaga na ABL seja
entender o porquê dessa recusa do governo petista em fazer valer a Constituição
no que concerne a mídia e comunicação no país. Ou não, pelo contrário?
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