terça-feira, 19 de março de 2013

Zé de Abreu, o militante



Com o mar da Barra da Tijuca na janela e o cão da raça lhasa apso e nome Pipo no colo, diante da tela do computador, o ator José de Abreu tuíta. Fala de política (muito) e de televisão e teatro (menos), praticamente o dia inteiro. Tem frequência tão assídua na rede social quanto o divertido vilão Nilo tinha nos lares brasileiros durante Avenida Brasil, a anterior novela das 9 da Globo. A popularidade na tevê e na internet fez surgir um novo interesse: Zé de Abreu decide se vai ou não se lançar a deputado federal pelo PT em 2014. Está para se filiar ao partido.
 “Estou esperando, porque quero o ‘top’ na minha filiação. Quem vai abonar minha ficha é a Dilma e o Lula. No mínimo”, diz o ator, que milita na política desde a época da ditadura, quando cursava Direito na PUC-SP. Tem o destino paralelo ao de outro Zé, o Dirceu. Ambos nasceram no ano de 1946, Zé Dirceu em março e ele em maio. Zé de Abreu, em Santa Rita do Passa Quatro, São Paulo, Zé Dirceu, em Passa Quatro, Minas Gerais. Todo mundo confunde. Um continuou na política e o outro se decidiu pelo teatro, após viver anos rebeldes em São Paulo e anos lisérgicos em Londres, em Amsterdã e na Bahia.
Pipo não para sossegado, e Zé de Abreu o tranca na cozinha enquanto conversa e posa para as fotografias. Falo que está em boa forma para os 67 anos prestes a completar, ele passa a mão no tórax, estica-se todo na cadeira e diz: “É, tô gostosão”, gargalha. “Sou de uma geração que deu sorte, que vai chegar aos 70 bem.”
Em seguida entra, com jeito sério e dreadlocks nos cabelos, seu filho Cristiano, de 28 anos, que participará de toda a conversa com o ator. No elevador, cruzamos com a mulher de Abreu, Camila, que vai nos encontrar no almoço. Por último, já no restaurante, conheço Bernardo, de 12, o caçula. Tem ainda Theo, de 36, e Ana, de 35. O primogênito Rodrigo morreu ao cair do prédio onde moravam, em 1992, aos 21 anos.
O ator fala do assunto meio apressadamente e eu não remexo no assunto, mas no final do almoço, depois de alguns copos de vinho branco, Zé de Abreu vai chorar ao lembrar o filho perdido. O artista, percebe-se, é uma pessoa do tipo “casadoira e família”. Ainda bastante jovem, durante o movimento estudantil, se envolveu com Neuza, mãe de Rodrigo. “Ele já estava mais enrascado”, conta o outro “Zé” da turma, o Mentor, deputado federal petista. Depois viveria 19 anos ao lado da atriz Nara Keiserman, mãe dos três filhos mais velhos. Está casado com Camila há oito.

Na época da ditadura, Mentor e Abreu eram mais independentes, e Dirceu, ligado à Dissidência de São Paulo (DI-SP), uma das tendências originadas do antigo PCB. “O Zé de Abreu era mais radical”, ri Mentor. “O Zé Dirceu era mais leve. Mandava os estudantes para a universidade fazer grupo de estudo. Eu era mais da turma do (Luís) Travassos, que falava: ‘Vamos quebrar o Estadão, o Citibank’. Eu era mais porra-louca”, admite o ator. Estavam juntos quando a polícia prendeu todo mundo no Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna (SP), em 1968. Abreu e Mentor sairiam dias depois.
Dirceu, Travassos (então presidente da proibida UNE) e Vladimir Palmeira foram mantidos presos e seriam libertados somente um ano depois, em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrick, sequestrado pelo MR-8 e pela Ação Libertadora Nacional em 1969. Zé de Abreu, enquanto isso, mudou-se para o Rio de Janeiro, descolou um emprego de vendedor de máquinas Olivetti como fachada e continuou no apoio às ações clandestinas. Quando foi chamado pela concorrente, a multinacional IBM, topou na hora. Era o disfarce perfeito.
 “Imagina eu com um crachá da IBM: International Business Machine Corporation. Melhor cobertura impossível.” Com o salário, comprou um DKW Fissore, um dos carros mais bacanas da época. “Fui encarregado de levar para São Paulo parte dos dólares que foram roubados do cofre da amante de Adhemar de Barros, em 1969, no meu Fissore vermelho de banco de couro, dentro de caixas de máquina de escrever da IBM. E ainda falei para os guardas que me pararam no caminho: ‘Vi um carro suspeito lá atrás’.”
 “Assim como quase todo nordestino de 90 anos conheceu Lampião, todo militante ou simpatizante de esquerda com 65 anos diz ter colocado as mãos nos dólares do Adhemar”, brinca o jornalista Tom Cardoso, autor do livro O Cofre do Dr. Rui (Civilização Brasileira), sobre o episódio. “Durante a pesquisa para o livro, ao menos 60 entrevistados falaram que colocaram as mãos nos dólares do Adhemar.”
A paixão pelos automóveis continua. Hoje Zé de Abreu se diz louco por Citroën. “É como o Geraldo Vandré falava: ‘Não vou me fantasiar de proletário’.” Ele tinha um Galaxie. Criticar o ator pelo modo de vida ou pelo fato de “ser de esquerda e trabalhar na Globo” é recorrente entre seus (muitos) adversários no Twitter, onde tem mais de 72 mil seguidores. Foi parar na emissora dos Marinho após o filme A Intrusa, de Carlos Hugo Christensen, vencedor de vários prêmios no Festival de Gramado em 1980, inclusive o de melhor ator para Zé de Abreu. À época, atuava no teatro gaúcho. Sua primeira novela foi As Três Marias (1980). Viriam outras 15.
Zé de Abreu diz que sempre apoiou o PT, mas sua presença só se tornou visível na eleição de 2010, quando entrou com força na campanha de Dilma Rousseff à Presidência. Votou em Lula em todas as tentativas, mas, em 1994, admite, torceu por Fernando Henrique Cardoso. “Eu achava que FHC era melhor que Lula naquele ano. Não era a vez dele, Lula concorda comigo hoje”, diz. “FHC era a literatura de axila da minha geração. Mesmo quem não lia, usava debaixo do braço.”
Na eleição de Dilma, posicionou-se de tal forma a ponto de começarem a rolar boatos de que seria demitido da Globo, sobretudo quando fez uma transmissão ao vivo pelo Twitter na qual provocava o tucano José Serra, que “tinha abandonado o mandato até como presidente da UNE”. Na noite do último debate da eleição presidencial, na emissora carioca, foi buscar a petista no heliponto, com o carrinho de golfe do Projac, e a levou até os estúdios. Quando Dilma fez o discurso da vitória, o ator global apareceu de “papagaio de pirata” em todos os jornais no dia seguinte. “Aquela foto me ferrou”, afirma.
Aí foi ele quem começou a achar que exagerava e decidiu procurar a direção da emissora para ver se havia algum problema. “Eu incomodo?”, perguntou a Otávio Florisbal, então diretor-geral da TV Globo. “Inspire-se em Dias Gomes, Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho. Você vai precisar correr muito para chegar aos pés deles”, teria dito Florisbal, nas palavras do próprio Zé de Abreu. “Posso estar imaginando, mas foi mais ou menos assim”.
Fato é que não só segue contratado como acabou selecionado para um papel importante em Avenida Brasil, que lhe rendeu o prestigiado prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte de melhor ator de tevê do ano de 2012. A risadinha (hihihi) de Nilo, sua marca registrada, nasceu de um ímpeto “socialista” do ator de valorizar o trabalho da maquiadora, que passava mais de uma hora a deixar feios os seus dentes, escondidos por baixo da espessa barba do personagem. Atualmente, está em cartaz na peça Bonifácio Bilhões, um texto meio datado cujo principal chamariz é a presença do “Nilo”, com estreia em São Paulo prevista para abril.
Em 2012, Zé de Abreu voltou à carga nas críticas virtuais, inclusive a jornalistas da Globo, durante o julgamento do “mensalão”. Ele não acredita na compra de votos. “Que ‘mensalão’? Eu sei que não aconteceu. Este julgamento foi o maior espetáculo virtual, uma grande farsa. Como uma pessoa sem foro especial como Zé Dirceu é julgado sem ter direito a recurso?”, critica. Pondero que se comprovou, no mínimo, caixa 2. “Óbvio. Sim, cometemos esse crime. Mas quantas vezes o Lula tentou ser eleito sem entrar no esquema e perdeu? Não se elege um presidente com 10 mirréis.”
Se na Globo o ator não encontrou problemas por sua militância no PT, o mesmo não se pode dizer da Abril. Alvo constante de blogueiros da editora dos Civita, recebeu um recado da direção: está vetado nas páginas da Contigo!, a revista de fofocas de maior circulação do País, por “estar batendo muito no patrão”. “O Roberto Civita queria ser o Roberto Marinho, mas Roberto Marinho era um homem inteligente. Acho o Civita um ser humano torto, nasceu acéfalo”, dispara. “Agora, para um cara bilionário como ele se preocupar comigo é porque sou bom pacas.”
A última polêmica nas redes sociais não tem a ver com política: ele declarou-se bissexual, para espanto de muitos. Homossexual assumido, o autor de novelas Aguinaldo Silva duvidou. “Sabe o que eu acho, Zé? Tu tá gozando com nossa cara, isso sim”, provocou Silva no Twitter. Zé de Abreu parece ter se divertido tanto com a história que chegou a gravar um vídeo no qual aparece como “namorado” do comediante Rafinha Bastos, já visto por mais de 650 mil internautas no YouTube.
Zé de Abreu é ou não bissexual? “Sou machista, luto todos os dias contra isso. Uma vez, minha mãe brigou com minha mulher porque eu estava lavando pratos. ‘Filho meu não lava prato!’ O que posso fazer? Fui criado assim. Então pensei que, para vencer meu machismo, meus preconceitos, teria de fazer parte de uma minoria. Não posso fingir que sou negro, nem que sou índio, nem que sou gay. ‘Mas bissexual vão acreditar’, pensei. Foi por isso que falei”, confessa. Ao lado, o filho Cristiano balança a cabeça: “Eu achei ridículo”.

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