Com o mar da Barra da Tijuca na janela e o cão da raça lhasa
apso e nome Pipo no colo, diante da tela do computador, o ator José de Abreu
tuíta. Fala de política (muito) e de televisão e teatro (menos), praticamente o
dia inteiro. Tem frequência tão assídua na rede social quanto o divertido vilão
Nilo tinha nos lares brasileiros durante Avenida Brasil, a anterior novela das
9 da Globo. A popularidade na tevê e na internet fez surgir um novo interesse:
Zé de Abreu decide se vai ou não se lançar a deputado federal pelo PT em 2014.
Está para se filiar ao partido.
“Estou esperando,
porque quero o ‘top’ na minha filiação. Quem vai abonar minha ficha é a Dilma e
o Lula. No mínimo”, diz o ator, que milita na política desde a época da ditadura,
quando cursava Direito na PUC-SP. Tem o destino paralelo ao de outro Zé, o
Dirceu. Ambos nasceram no ano de 1946, Zé Dirceu em março e ele em maio. Zé de
Abreu, em Santa Rita do Passa Quatro, São Paulo, Zé Dirceu, em Passa Quatro,
Minas Gerais. Todo mundo confunde. Um continuou na política e o outro se
decidiu pelo teatro, após viver anos rebeldes em São Paulo e anos lisérgicos em
Londres, em Amsterdã e na Bahia.
Pipo não para sossegado, e Zé de Abreu o tranca na cozinha
enquanto conversa e posa para as fotografias. Falo que está em boa forma para
os 67 anos prestes a completar, ele passa a mão no tórax, estica-se todo na
cadeira e diz: “É, tô gostosão”, gargalha. “Sou de uma geração que deu sorte,
que vai chegar aos 70 bem.”
Em seguida entra, com jeito sério e dreadlocks nos cabelos,
seu filho Cristiano, de 28 anos, que participará de toda a conversa com o ator.
No elevador, cruzamos com a mulher de Abreu, Camila, que vai nos encontrar no
almoço. Por último, já no restaurante, conheço Bernardo, de 12, o caçula. Tem
ainda Theo, de 36, e Ana, de 35. O primogênito Rodrigo morreu ao cair do prédio
onde moravam, em 1992, aos 21 anos.
O ator fala do assunto meio apressadamente e eu não remexo no
assunto, mas no final do almoço, depois de alguns copos de vinho branco, Zé de
Abreu vai chorar ao lembrar o filho perdido. O artista, percebe-se, é uma
pessoa do tipo “casadoira e família”. Ainda bastante jovem, durante o movimento
estudantil, se envolveu com Neuza, mãe de Rodrigo. “Ele já estava mais
enrascado”, conta o outro “Zé” da turma, o Mentor, deputado federal petista.
Depois viveria 19 anos ao lado da atriz Nara Keiserman, mãe dos três filhos
mais velhos. Está casado com Camila há oito.
Na época da ditadura, Mentor e Abreu eram mais independentes,
e Dirceu, ligado à Dissidência de São Paulo (DI-SP), uma das tendências
originadas do antigo PCB. “O Zé de Abreu era mais radical”, ri Mentor. “O Zé
Dirceu era mais leve. Mandava os estudantes para a universidade fazer grupo de
estudo. Eu era mais da turma do (Luís) Travassos, que falava: ‘Vamos quebrar o
Estadão, o Citibank’. Eu era mais porra-louca”, admite o ator. Estavam juntos
quando a polícia prendeu todo mundo no Congresso da União Nacional dos
Estudantes em Ibiúna (SP), em 1968. Abreu e Mentor sairiam dias depois.
Dirceu, Travassos (então presidente da proibida UNE) e
Vladimir Palmeira foram mantidos presos e seriam libertados somente um ano
depois, em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrick, sequestrado
pelo MR-8 e pela Ação Libertadora Nacional em 1969. Zé de Abreu, enquanto isso,
mudou-se para o Rio de Janeiro, descolou um emprego de vendedor de máquinas
Olivetti como fachada e continuou no apoio às ações clandestinas. Quando foi
chamado pela concorrente, a multinacional IBM, topou na hora. Era o disfarce
perfeito.
“Imagina eu com um
crachá da IBM: International Business Machine Corporation. Melhor cobertura
impossível.” Com o salário, comprou um DKW Fissore, um dos carros mais bacanas
da época. “Fui encarregado de levar para São Paulo parte dos dólares que foram
roubados do cofre da amante de Adhemar de Barros, em 1969, no meu Fissore
vermelho de banco de couro, dentro de caixas de máquina de escrever da IBM. E
ainda falei para os guardas que me pararam no caminho: ‘Vi um carro suspeito lá
atrás’.”
“Assim como quase todo
nordestino de 90 anos conheceu Lampião, todo militante ou simpatizante de
esquerda com 65 anos diz ter colocado as mãos nos dólares do Adhemar”, brinca o
jornalista Tom Cardoso, autor do livro O Cofre do Dr. Rui (Civilização Brasileira),
sobre o episódio. “Durante a pesquisa para o livro, ao menos 60 entrevistados
falaram que colocaram as mãos nos dólares do Adhemar.”
A paixão pelos automóveis continua. Hoje Zé de Abreu se diz
louco por Citroën. “É como o Geraldo Vandré falava: ‘Não vou me fantasiar de
proletário’.” Ele tinha um Galaxie. Criticar o ator pelo modo de vida ou pelo
fato de “ser de esquerda e trabalhar na Globo” é recorrente entre seus (muitos)
adversários no Twitter, onde tem mais de 72 mil seguidores. Foi parar na emissora
dos Marinho após o filme A Intrusa, de Carlos Hugo Christensen, vencedor de
vários prêmios no Festival de Gramado em 1980, inclusive o de melhor ator para
Zé de Abreu. À época, atuava no teatro gaúcho. Sua primeira novela foi As Três
Marias (1980). Viriam outras 15.
Zé de Abreu diz que sempre apoiou o PT, mas sua presença só
se tornou visível na eleição de 2010, quando entrou com força na campanha de
Dilma Rousseff à Presidência. Votou em Lula em todas as tentativas, mas, em
1994, admite, torceu por Fernando Henrique Cardoso. “Eu achava que FHC era
melhor que Lula naquele ano. Não era a vez dele, Lula concorda comigo hoje”,
diz. “FHC era a literatura de axila da minha geração. Mesmo quem não lia, usava
debaixo do braço.”
Na eleição de Dilma, posicionou-se de tal forma a ponto de
começarem a rolar boatos de que seria demitido da Globo, sobretudo quando fez
uma transmissão ao vivo pelo Twitter na qual provocava o tucano José Serra, que
“tinha abandonado o mandato até como presidente da UNE”. Na noite do último
debate da eleição presidencial, na emissora carioca, foi buscar a petista no
heliponto, com o carrinho de golfe do Projac, e a levou até os estúdios. Quando
Dilma fez o discurso da vitória, o ator global apareceu de “papagaio de pirata”
em todos os jornais no dia seguinte. “Aquela foto me ferrou”, afirma.
Aí foi ele quem começou a achar que exagerava e decidiu
procurar a direção da emissora para ver se havia algum problema. “Eu
incomodo?”, perguntou a Otávio Florisbal, então diretor-geral da TV Globo.
“Inspire-se em Dias Gomes, Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho. Você vai
precisar correr muito para chegar aos pés deles”, teria dito Florisbal, nas
palavras do próprio Zé de Abreu. “Posso estar imaginando, mas foi mais ou menos
assim”.
Fato é que não só segue contratado como acabou selecionado
para um papel importante em Avenida Brasil, que lhe rendeu o prestigiado prêmio
da Associação Paulista de Críticos de Arte de melhor ator de tevê do ano de
2012. A risadinha (hihihi) de Nilo, sua marca registrada, nasceu de um ímpeto
“socialista” do ator de valorizar o trabalho da maquiadora, que passava mais de
uma hora a deixar feios os seus dentes, escondidos por baixo da espessa barba
do personagem. Atualmente, está em cartaz na peça Bonifácio Bilhões, um texto meio
datado cujo principal chamariz é a presença do “Nilo”, com estreia em São Paulo
prevista para abril.
Em 2012, Zé de Abreu voltou à carga nas críticas virtuais,
inclusive a jornalistas da Globo, durante o julgamento do “mensalão”. Ele não
acredita na compra de votos. “Que ‘mensalão’? Eu sei que não aconteceu. Este
julgamento foi o maior espetáculo virtual, uma grande farsa. Como uma pessoa
sem foro especial como Zé Dirceu é julgado sem ter direito a recurso?”,
critica. Pondero que se comprovou, no mínimo, caixa 2. “Óbvio. Sim, cometemos
esse crime. Mas quantas vezes o Lula tentou ser eleito sem entrar no esquema e
perdeu? Não se elege um presidente com 10 mirréis.”
Se na Globo o ator não encontrou problemas por sua militância
no PT, o mesmo não se pode dizer da Abril. Alvo constante de blogueiros da
editora dos Civita, recebeu um recado da direção: está vetado nas páginas da
Contigo!, a revista de fofocas de maior circulação do País, por “estar batendo
muito no patrão”. “O Roberto Civita queria ser o Roberto Marinho, mas Roberto
Marinho era um homem inteligente. Acho o Civita um ser humano torto, nasceu
acéfalo”, dispara. “Agora, para um cara bilionário como ele se preocupar comigo
é porque sou bom pacas.”
A última polêmica nas redes sociais não tem a ver com
política: ele declarou-se bissexual, para espanto de muitos. Homossexual
assumido, o autor de novelas Aguinaldo Silva duvidou. “Sabe o que eu acho, Zé?
Tu tá gozando com nossa cara, isso sim”, provocou Silva no Twitter. Zé de Abreu
parece ter se divertido tanto com a história que chegou a gravar um vídeo no
qual aparece como “namorado” do comediante Rafinha Bastos, já visto por mais de
650 mil internautas no YouTube.
Zé de Abreu é ou não bissexual? “Sou machista, luto todos os
dias contra isso. Uma vez, minha mãe brigou com minha mulher porque eu estava
lavando pratos. ‘Filho meu não lava prato!’ O que posso fazer? Fui criado
assim. Então pensei que, para vencer meu machismo, meus preconceitos, teria de
fazer parte de uma minoria. Não posso fingir que sou negro, nem que sou índio,
nem que sou gay. ‘Mas bissexual vão acreditar’, pensei. Foi por isso que
falei”, confessa. Ao lado, o filho Cristiano balança a cabeça: “Eu achei
ridículo”.
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