Por Lilia Diniz
A regulação da mídia volta à pauta do Observatório da
Imprensa na TV. No Reino Unido, os líderes dos três principais partidos
políticos firmaram um acordo para criar um órgão regulador externo para a
imprensa escrita. O projeto ainda precisa ser votado em plenário e passar pela
revisão na Câmara dos Lordes – e já causa celeuma. O mecanismo será criado por
meio de uma Carta Real e novo órgão poderá aplicar multas de até R$ 3 milhões.
Jornais, revistas e sites noticiosos poderão ser obrigados a publicar
retratações imediatas, com destaque na primeira página.
A adesão das empresas será voluntária, mas aqueles que
optarem por não aderir serão passíveis de punições ainda mais severas. A medida
foi tomada como resposta ao escândalo protagonizado por tabloides do grupo News
Corp,do magnata Rupert Murdoch, em 2011, quando jornalistas foram acusados de
espionagem, grampos ilegais, chantagem e tráfico de influência. Representantes
de jornais se queixam de que ficaram de fora do processo de debates e já
articulam um boicote ao novo órgão.
No México, o governo apresentou projeto de uma ampla reforma
do setor de telecomunicações para fomentar a concorrência. A medida terá forte
impacto nas áreas de telefonia e televisão, onde o empresário Carlos Slim – o
homem mais rico do mundo – detém uma robusta fatia do mercado. O programa do OI
exibido ao vivo na terça-feira (26/3) pela TV Brasil examinou essas duas
propostas de regulação e debateu a necessidade de algum tipo de regulação para
a mídia brasileira.
Alberto Dines recebeu no estúdio de São Paulo os jornalistas
Eugênio Bucci e João Brant. Bucci é professor da Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e da Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM). É colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da revista
Época, e foi presidente da Radiobrás. João Brant é integrante do coletivo
Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. É mestre em
Regulação e Políticas de Comunicação pela London School of Economics. No Rio de
Janeiro, o programa contou com a presença de Adilson Cabral, professor de
Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor pela
Universidade Metodista de São Paulo, coordena o Centro de Pesquisas e Produção
em Comunicação e Emergência. É especialista em políticas de comunicação.
Debate inevitável
Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines comentou que
as discussões em torno de regulação, autorregulação e marco regulatório podem
parecer áridas para o cidadão, mas têm um potencial explosivo para jornalistas,
políticos e acadêmicos. “Depois de quase quatro séculos de total liberdade de
impressão, a Inglaterra parece prestes a enterrar a doutrina da autorregulação
voluntária – que não conseguiu evitar abusos – e adotar um paradigma mais
interventor. Mas no México, o novo presidente Enrique Peña Nieto, de centro
direita, também está disposto a empreender mudanças. Inevitável, a questão
regulatória está na ordem do dia. Mesmo longe daqui”, disse Dines.
A reportagem produzida pelo programa entrevistou Aluízio
Maranhão, editor de Opinião do jornal O Globo. Para o jornalista, o novo órgão
britânico, na prática, não funcionará. A Inglaterra rompeu uma tradição adotada
desde o século 17, de não haver interferência externa na imprensa. Maranhão
sublinhou que os crimes praticados por jornalistas do News of the World foram
descobertos pela própria imprensa inglesa e não pela polícia. “Os responsáveis
estão sendo processados como devem: pela legislação penal. Então, não seria
necessário nenhum novo aparato, ainda mais um aparato como esse, vertical, de
cima pra baixo”, criticou o jornalista.
Já o mercado mexicano, na opinião de Aluízio Maranhão, é
extremamente concentrado e, por isso, a iniciativa do governo é bem-vinda.
Maranhão afirmou que no Brasil o debate sobre a regulação da mídia e uma nova
regulação na área de telecomunicações acaba se confundindo: “Você tem grandes
atores novos no mercado de informação que são as empresas de telecomunicações e
telefonia. E a nossa legislação com respeito a isso é antiquíssima. É preciso
mudar a regulação dessa área: quem é quem, quem pode fazer o quê. Outra coisa é
a regulação da mídia que é apresentada de uma maneira disfarçada como se fosse
essa a regulação necessária, mas que quer entrar, intervir na produção de
conteúdo. Aí se chama censura – ou que se dê outro nome. Isso, no Brasil, é
inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal, faz dois ou três anos, reafirmou
o direito à liberdade de expressão no seu sentido mais amplo”.
O papel dos jornalistas
Guilherme Canela, assessor de Comunicação e Informação da
Unesco, defende a criação de órgãos reguladores independentes. A regulação da
mídia deve ter mecanismos que levem ao fortalecimento de meios de comunicação
independentes e plurais. Para ele, algumas das questões centrais nesse debate
são a regulação da propriedade e de instrumentos de transparência.
O jornalista Carlos Castilho ressaltou que, antes de tudo, é
preciso melhorar a qualidade da produção jornalística. “Criar novos códigos é
importante na medida em que isso gera discussão. Mas não podemos esperar que
esses códigos e essas novas leis resolvam todos os nossos problemas. Novos
códigos geralmente implicam fiscalização e medidas de punição. Nós temos que
envolver as televisões, os jornais e os jornalistas nessa busca de um novo
conceito sobre como produzir material para ser exibido. É complicado? Sim, é. É
utópico? Sim, é. Mas nós não temos outra alternativa”, sugeriu Castilho.
Da Inglaterra, o correspondente Silio Boccanera comentou a
reação dos meios de comunicação à tentativa de regulação. “Provocou irritação
da imprensa porque tira de jornais e revistas o poder de se fiscalizar
sozinhos, sem interferência de políticos, juízes ou autoridades de fora do setor.
A proposta agora é criar uma agência regulatória separada e independente dos
órgãos de imprensa. Editores e proprietários reagiram enfurecidos. Denunciam
uma suposta ameaça à liberdade de imprensa com potencial de censura e
intimidação”, contou o jornalista. Boccanera explicou que os jornais temem
perder a liberdade para criticar políticos e poderosos.
A quem interessa a
regulação?
No debate ao vivo, Dines comentou que a autorregulação não
foi bem-sucedida na Inglaterra. O modelo do Comitê de Queixas contra a Imprensa
(PCC, na sigla em inglês) – que regulava a imprensa escrita – foi referência em
todo o mundo, mas não impediu que tabloides britânicos praticassem graves
desvios éticos. João Brant explicou que o Reino Unido tem uma longa tradição de
regulação dos meios eletrônicos de comunicação que culminou com a criação da
Ofcom, em 2003, que regula a radiodifusão.
Na opinião de Brant, o PCC tinha um código eficaz, mas a
aplicação das normas não foi bem realizada . Para ele, os veículos de mídia
impressa mais protegiam do que regulavam uns aos outros. “Há riscos e há
ameaças possíveis à liberdade de expressão e ao direito de informação do
público. Mas eu acho que o que estava evidente era o risco maior de manter um
sistema que não vinha dando certo”, disse o jornalista. Brant ressaltou que os
objetivos de regular a mídia, em geral, são garantir o pluralismo, a
diversidade, ampliar a liberdade de expressão e o direito à informação do
público.
Dines ressaltou que durante o processo de discussão do
projeto de regulação da mídia britânica os jornais e revistas foram convidados
a se manifestar, assim como as vítimas atingidas pelos escândalos
protagonizados pelo News of the World. Com o projeto prestes a ser aprovado, os
jornalistas criticam a criação do novo órgão. Para João Brant, é interessante
notar que tanto a iniciativa britânica quanto a mexicana colocam o cidadão no
centro do debate. “Eles entendem a comunicação como um serviço público a
serviço do direito do cidadão à informação, à uma ampliação da liberdade de
expressão e, portanto, o centro não é a própria mídia”, disse Brant. O
jornalista explicou que o debate em torno da regulação na Inglaterra é feito
com frequência e vem de longa data.
“A palavra democracia
precisa ser colocada no centro desse debate porque o que está em jogo é se você
consegue garantir, de fato, um sistema democrático em que as diversas vozes
sejam ouvidas e que o cidadão tenha direito a todas as versões e diferentes
perspectivas sobre os fatos”, defendeu o jornalista. Brant ressaltou que é
preciso entender que a liberdade de imprensa é uma garantia fundamental, mas
ela existe para a sustentação dos diretos à liberdade de expressão e à
informação. Não se pode agir sem levar em consideração a sua função pública.
Debate vetado
Adilson Cabral chamou a atenção para o fato de que nem na
Inglaterra nem no México as propostas de regulação têm origem em governos
identificados com a esquerda, como ocorre na Argentina, na Bolívia e na
Venezuela. Para ele, é importante observar a conexão de várias experiências
diferentes, mas o Brasil deve planejar a regulação a partir de seus próprios
parâmetros. O modelo de regulação em debate na Inglaterra está ligado ao
desenho da política britânica. “É diferente da nossa política, onde o
termômetro define até onde o governo consegue ir ou levar o debate sobre as
comunicações”, comparou Adilson Cabral.
Na opinião de Eugênio Bucci, uma discussão reprimida ou com
viés equivocado acaba resultando em soluções que não levam à resolução dos
problemas. “É claro que na Inglaterra haverá um avanço. A sociedade está
despertando para isso. Os políticos estão se entendendo dentro desse sentido”,
avaliou Bucci. No Brasil, a discussão não é feita porque predominam
mentalidades que acreditam que não falar sobre o tema é melhor para a
liberdade. “Isso é um engano terrível que pode acarretar consequências mais
terríveis ainda. A pior coisa que pode acontecer no Brasil é não se debater a
regulação ou a autorregulação”, advertiu o jornalista.
Bucci explicou que, no Brasil, adota-se o termo
regulamentação como sinônimo de regulação, mas que é preciso entender a
diferença entre as duas palavras. A regulação inclui, além da regulamentação –
que é o estabelecimento de regras –, a fiscalização do cumprimento das normas.
“Marco regulatório parece nome de imperador romano. O que quer dizer isto?
Apenas uma legislação, um conjunto de normas, postas pelo Estado, e que
disciplinam como um determinado mercado funcionará”, explicou Bucci. Temas como
concentração de propriedade, concessões de canais de radiodifusão para
parlamentares, proselitismo religioso nas em rádios e TVs e inovações
tecnológicas pedem um conjunto de normas atualizado. “Há uma série de desvios e
deformações que precisam ser disciplinados por lei. Outras coisas podem ser
disciplinadas por autorregulação e pelo bom senso dos jornais”, disse Bucci.
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