O conservadorismo gostaria de impor a Dilma no Brasil a mesma
receita adotada por Mário Monti na Itália.
Equivalente a que os republicanos querem enfiar goela abaixo
de Obama nos EUA.
A mesma purga que o comissariado do euro aplica contra as
populações da Espanha, Portugal, Grécia, Bélgica etc.
Com as consequências sabidas.
As urnas revelaram nesta 2ª feira que os italianos preferem
Berlusconi ao tecnocrata querido dos mercados.
Na zona do euro, à exceção da Alemanha, a economia tornou-se
uma usina de pobreza, êxodo, despejos, fome e demissões.
Nos EUA as grandes corporações tem quase US$ 1 trilhão em
caixa, mas o desemprego não encoraja investimemtos.
Antes da implosão neoliberal, o fluxo financeiro das
corporações somava um déficit equivalente a 3,7% do PIB.
Agora, acumula um superávit de aproximadamente 5% dele.
O dinheiro ocioso queima como batata quente.
Não há muito o que fazer com ele.
A taxa de juros é negativa; as bolsas de commodities andam de
lado.
A mais lenta recuperação do nível de emprego da história das
recessões norte-americanas faz o resto.
Não há razões para ampliar capacidade produtiva quando a
demanda rasteja sob o peso de 8% de taxa de desemprego.
Uma anemia que promete resistir por muito tempo.
Mesmo quem trabalha empobreceu.
O patrimônio das famílias perdeu mais de um terço do valor na
recessão.
Quase 90% das riquezas geradas no período seguinte foram
drenadas para 1% da população.
Para o caixa das grandes corporações,em especial, onde ardem
como batata quente.
A queimadura pode se agravar.
A ortodoxia republicana dobra a aposta no veneno: cobra de
Obama o corte de US$ 100 bi em gastos fiscais.
A partir de março.
Outro facão deve decepar mais US$ 1,2 trilhão até o final da
década, 'para ajustar as contas do Estado'.
Na jaula pequena da estagnação o que mais prospera é o
canibalismo.
A onda de fusões e aquisições em marcha reflete o estreito
repertório de opções para o dinheiro graúdo.
Grandes corporações se vampirizam na luta de conquista pela
liderança dos mercados quando a crise acabar.
Os avanços tecnológicos compõem a outra jugular em disputa.
Invenções e saltos tecnológicos permitem roubar demanda velha
no mercado estagnado. E capturar demanda fresca nas nações em desenvolvimento.
No euro ou nos EUA, o cachorro morde o próprio rabo.
Obama quer regenerar o tônus da economia injetando-lhe alguma
expansão de demanda.
Elevando o salário mínimo, por exemplo, dos atuais US$ 7,25
por hora para US$ 9/h.
Há razões sólidas para isso:
a) nos últimos 40 anos de supremacia neoliberal, o piso
salarial norte-americano foi corrigido abaixo da inflação;
b) a atual capacidade de compra do salário mínimo nos EUA é
inferior a que existia nos anos 60.
Entende-se por que a crise escava o fundo do abismo. Ele já
havia se instalado no metabolismo da sociedade há décadas.
Falcões republicanos dão de ombros e insistem: a chave é o
corte do gasto público.
Como se os mercados pudessem se erguer pelos próprios
cabelos.
À margem da demanda agregada; sem consumo ou
investimento.Público ou privado.
O ambiente internacional carrega assustadora transparência.
Serviria como antídoto ao clamor ortodoxo que prescreve o
mesmo óleo de rícino para os desafios do Brasil.
Mas a vacina não age.
Os canais de transmissão do debate seccionam as interações
entre o noticiário internacional e os acontecimentos locais.
A economia brasileira emite sinais contraditórios.
Vive-se um momento decisivo.
O investimento ainda se arrasta.
Mas o vigor persistente da demanda e as medidas de incentivo
do governo esboçam uma retomada que o jogral conservador quer abortar.
A qualquer preço.
Como se o país que arrastou mais de 50 milhões de cidadãos
para fora da pobreza e criou um dos mercados de massa mais pujantes do planeta,
pudesse se desfazer desse trunfo agora e dizer:
"Senhoras e senhores, a viagem acabou; aguardem no
meio-fio até passar o próximo bonde da história”.
A viabilidade política dessa baldeação regressiva é zero.
Mas falta o debate consequente que liberte o próprio governo
dos termos da equação imposta pela ortodoxia: ou mais inflação, ou menos
crescimento.
Falta o governo livrar-se da 'síndrome de Estocolmo' em
relação à mídia dominante. E entender que a informação (plural) é um
ingrediente tão importante de um ciclo de desenvolvimento quanto a queda dos
juros.
Por Saul Leblon na Carta Maior
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