Laerte Braga
João Belchior Marques Goulart nasceu no dia 1º. de março. O
registro é importante. Deixou lições de grandeza, humildade, coragem e
determinação. E acima de tudo de integridade, talvez a soma de todas essas virtudes,
num conceito mais amplo.
O golpe militar de 1964 começou nos campos de batalha da 2ª.
Grande Guerra. As forças brasileiras faziam parte do contingente
norte-americano e Vernon Walthers, mais tarde general e diretor da CIA (Agência
Central de Inteligência) era o oficial de ligação. O brasileiro era Castello
Branco, primeiro presidente do golpe. À época, 1964, Walthers era Adido Militar
da embaixada dos EUA no Brasil. Foi o comandante operacional dos golpes.
Foram dois. O que abortou a saída de Mourão Filho de Juiz de
Fora, MG em parceria com o governador de Minas Magalhães Pinto e o que levou
Castello à presidência.
A queda de Getúlio Vargas foi decidida na Itália. Os
militares brasileiros que voltaram da campanha da FEB (FORÇAS EXPEDICIONÁRIAS
BRASILEIRAS) vieram imbuídos do propósito de construir uma “democracia”. O
regime de Vargas não era, estava esgotado naquele momento, mas a “democracia”
dos militares não tinha compromisso algum com o Brasil e os brasileiros.
Desde a queda de Vargas em 1945 tentaram chegar ao poder.
Perderam com Eduardo Gomes duas vezes e com Juarez Távora uma vez.
A volta de Getúlio em 1950 abriu espaços para uma tentativa
mais direta com o Manifesto dos Coronéis, entre eles Golbery do Couto e Silva e
Bizarria Mamede, protagonistas diretos de 64. A renúncia de Jânio, um bêbado
tresloucado que se esqueceu de combinar com as forças armadas o golpe na farsa
das “forças ocultas”, foi a a segundo oportunidade direta.
Fracassou na reação popular e na coragem de Leonel Brizola
que se levantou contra a quartelada de Dennys, Grum Moss e Sílvio Heck.
Em 1964 não deram chance de reação aos militares legalistas e
nem de protestos populares. Tudo foi tramado na embaixada dos EUA com Lincoln
Gordon e o comando entregue a Vernon Walthers para evitar trapalhadas. E por
pouco Mourão Filho, que era juscelinista, não põe tudo a perder (Mourão nasceu
em Diamantina e foi feito general por JK, traz consigo também o Plano Cohen, a
farsa montado para o Estado Novo em 1937).
A traição descarada de Amauri Kruel e de Justino Alves Bastos
(IV Exército então) eliminou qualquer chance de reação com êxito em curto prazo
e poderia mergulhar o Brasil numa guerra civil que acabaria fracionando o País,
bem ao sabor dos interesses norte-americanos. A IV Frota norte-americana já
estava em águas brasileiras para garantir os comandados de Vernon Walthers.
No pote de ambições que o golpe destampou, Lacerda e
Magalhães foram logo engolidos, Ademar de Barros era mero sobrevivente e morreu
afogado na enchente da corrupção. Linha dura e linha moderada se viram frente a
frente e a imposição de Costa e Silva a Castello (Costa e Silva era bisonho em
todos os sentidos) acabou resultando num acordo entre os dois grupos.
O acordo não afastou a barbárie. As torturas, os
assassinatos, as covardias dentro dos quartéis eram rotina entre os golpistas.
O comando político, militar e econômico só sofreu alguns arranhões no governo
Geisel, mas logo curados com mercúrio cromo no governo Figueiredo e na ação das
elites econômicas seja via Delfim Neto, ou Mário Henrique Simonsen.
Um golpe dentro do golpe tentado por um gorila (que me
perdoem os gorilas) por Sílvio Frota acabou abortado e a democracia consentida
se instalou. O que seria Tancredo acabou sendo Sarney, pústula golpista, hoje
aliado de Dilma Roussef, como foi de Lula.
A consumação de 1964 na entrega despudorada do Brasil se deu
nos oito anos de FHC, velho udenista no espírito. Eleito para um mandato de
quatro anos comprou o segundo num golpe de mão, ao implantar a peso de ouro o
instituto da reeleição.
A despeito dos dois mandatos de Lula e do atual de Dilma, a
essência política e econômica da ditadura e de FHC se mantém. O Brasil continua
um País manco, submerso no poder da “globalitarização” (a globalização pela
força das armas, termo de Mílton Santos) e dependente de tecnologias básicas
passiveis de serem desenvolvidas aqui. A antiga, não tanto, crítica de Ari
Toledo ainda é válida – “o Brasil ind-é-pendente”.
No governo Dilma essa característica se acentua de forma
assustadora.
João Goulart dera início ao processo de reforma agrária ao
decretar a desapropriação de terras num limite de oito quilômetros às margens
de rodovias, ferrovias, lagos, rios e açudes. Ao nacionalizar o petróleo de
ponta a ponta, inclusive a distribuição. Ao permitir que trabalhadores se
organizassem num central, o COMANDO GERAL DO SO TRABALHADORES – CGT -, sob
batuta do deputado mineiro Clodesmith Riani, principal líder sindical do País.
Hoje vive de modo simples e espartano em sua cidade, Juiz de Fora. A reforma urbana,
que previa um percentual nos aluguéis de imóveis de proprietários de um número
elevado deles, como pagamento de prestação para compra dentro de um determinado
prazo.
Santos Vahlis, um especulador, tinha dois mil apartamentos no
Rio, o projeto era do notável deputado Sérgio Magalhães.
Goulart passou a comprar o ácido acetilsalicílico – as
aspirinas nossas de cada dia – dos chineses, a um custo mais baixo e isso
irritou, além de outras coisas, a norte-americanos e alemães.
Moniz Bandeira registra o fato em seu livro O GOVERNO
GOULART, publicado pela Civilização Brasileira.
Os generais norte-americanos que comandam as forças armadas
brasileiras hoje agregaram outro “general”, a mídia de mercado, um poder quase
absoluto a alienar e esconder a história real do Brasil, transformando
brasileiros em objetos. O latifúndio hoje é o mesmo de ontem. As elites
paulistas que comandam o Brasil são controladas pela OPUS DEI, fração de
extrema-direita da igreja católica (a que está procurando um “papa limpo”
segundo o jornal O GLOBO).
O governo é a soma de interesses espúrios e alianças
inacreditáveis, acredita que os avanços superficiais, na verdade populista,
transformam o Brasil em País independente.
Goulart é muito maior que Lula e Dilma. Não há comparação
possível. Tinha um projeto Brasil para os trabalhadores brasileiros.
Ultrapassava as dimensões eleitorais do partido de Lula e Dilma.
1964 começou na Itália e se consumou na traição de militares
brasileiros ao seu próprio País numa longa noite de sombras e sangue da
barbárie e da crueldade dos ditadores e seus sequazes.
João Belchior Marques Goulart, um homem de classe média alta,
teve a percepção de ao lado de Leonel Brizola, Celso Furtado, Hermes Lima,
Evandro Lins e Silva, Raul Riff, Santiago Dantas e outros, pensar e caminhar
para um Brasil diverso do de hoje.
Falo por exemplo do aumento da população de rua do Rio em
31%, a despeito de todo o populismo existente.
Os trabalhadores continuam os grandes explorados, a luta
continua sendo de classes e sem organização popular, dentro do modelo
consentido, não se vai a lugar nenhum, que não virar posto de troca de cavalos
das diligências da Wells Fargo.
Goulart foi o último grande presidente do Brasil, por isso
foi deposto. Presidente do Brasil e não das elites políticas e econômicas, do
latifúndio, de bancadas evangélicas que controlam o que hoje são “negócios”.
O projeto Brasil, boutade de Lula em sua campanha de 2002
continua sendo o período de Jango, como Goulart era chamado.
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