56 funcionários da emissora foram demitidos nesta semana...
Uma das mais respeitadas televisões públicas do país, a TV
Cultura amarga os efeitos da política tucana no Estado de São Paulo. Nesta
semana, 56 funcionários da emissora foram demitidos e estão previstas mudanças
na sua programação. "É uma lástima", sintetiza o professor de
Jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA-USP), Laurindo Lalo Leal Filho, que trabalhou durante oito anos na casa.
Em entrevista exclusiva a este blog, Lalo explica o que está em jogo e lamenta
a perda desses profissionais para o mercado.
O que está acontecendo com a TV Cultura?
[Laurindo Lalo Leal
Filho] A redução de pessoal, de programas e de produção faz parte da política
do governo do PSDB, que visa reduzir ao máximo o papel do Estado. Televisão
pública não é prioridade para o governo tucano. Seria, obviamente, se a
emissora fosse estatal e permitisse que eles fizessem propaganda... Mas, a TV
Cultura é uma emissora pública, de direito privado, portanto, o Estado não pode
legalmente intervir na sua gestão. Agora, é claro que o governo estadual
interfere, na medida em que controla o volume de recursos destinados à emissora
para que ela funcione.
Quais as consequências desta política?
[ Lalo] As piores
possíveis. Aos poucos, o público paulista vai perdendo o referencial de
qualidade de uma emissora pública. Esse referencial é muito distinto - e sempre
se contrapôs - ao da televisão comercial. Nos momentos em que teve maior
independência política, a TV Cultura conseguiu se firmar como referência de
qualidade. Inclusive, a sua grade de programas infantis chegou a incomodar, do
ponto de vista de audiência, as emissoras comerciais. Mas, hoje, infelizmente,
estamos vendo a desconstrução da TV pública em São Paulo.
Qual a diferença de concepção entre TV pública e comercial?
[ Lalo ] No Brasil, a
TV e o rádio surgiram como empresas comerciais e foram responsáveis pela formação
de um público consumidor e de profissionais voltados para este mercado. Toda a
programação da televisão comercial brasileira foi feita para atender as
demandas de mercado, de audiência e, em última análise, para estimular o
consumo. Já, a emissora pública vem num outro sentido. Sua demanda não é a do
consumo, mas a simbólica e a cultural. Ela presta um serviço público e forma
profissionais com essa orientação. Este foi o papel das televisões públicas ao
longo da história, sobretudo da TV Cultura, que é mais antiga.
O profissional da emissora pública tem de estudar qual
serviço deve ser prestado à sociedade, que tipo de aspiração - distinta do que
é oferecida pela tevê comercial. É uma lógica completamente diferente que gera,
obviamente, um tipo distinto de programação e de profissional.
E quanto às demissões?
[ Lalo ] Para além da
tragédia individual, a demissão desses quadros é uma grande perda para o país.
No Brasil, não existe uma formação especializada para quem atua na rede
pública. Esses profissionais têm um perfil absolutamente diferenciado dos
demais (emissoras comerciais) e foram formados ao longo de décadas, na prática,
dentro das tevês públicas. Ao demiti-los, a TV Cultura está jogando na lata do
lixo anos de investimento na formação desses profissionais que - repito - são
de altíssima qualidade. Eles produziram o que há de melhor na televisão
brasileira. Este é o lado mais perverso da história. Para repor esses quadros
serão necessárias décadas de formação.
Há mudanças previstas, também, na programação.
[ Lalo ] Sim. E há
outra questão grave aí. Ocorre um processo de privatização do espaço público
com a entrega da rede de programação para empresas comerciais. A Folha, agora,
terá um programa jornalístico na TV Cultura que até pode ser de qualidade... O problema é que já temos uma grande ocupação
dos espaços públicos pela iniciativa privada. Por que ocupar o espaço da rede
pública? Isso é de uma incoerência brutal. O espaço das emissoras públicas no Brasil
é muito reduzido e, tudo indica, vai ficar ainda mais reduzido. Essa é uma
política completamente equivocada, tanto no que se refere à formação de
quadros, quanto para a sustentação - e necessária ampliação - do espaço da
televisão pública, ainda muito pequeno no país.
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